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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

04 março 2020

10 min de leitura

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Entrevista do mês – Mariana Luz

Investir na primeira infância é fundamental para mudar o planeta

Por Eduardo Geraque

Mariana Luz, atual CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, nomeada em 2015 Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, não separa o meio ambiente da primeira infância. Sempre focada em enxergar os riscos com otimismo, ela afirma que a reunião em Davos neste ano colocou a questão ambiental no centro do debate e entre as prioridades do setor privado. E ao mergulhar na primeira infância, como ela diz nesta entrevista ao Instituto Escolhas, houve uma troca de prioridades. Agora, o foco dela é nas atuais gerações para que o mundo possa ficar melhor para as próximas.

Há 20 anos, a paixão da hoje executiva era estudar e pesquisar o continente antártico. Ainda na graduação de Relações Internacionais na Universidade Estácio de Sá, e depois no mestrado em História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a questão ambiental – e climática-, passou cada vez mais a predominar entre seus interesses. Após iniciar a carreira no Centro Brasileiro de Relações Internacionais, e atuar como diretora na área de sustentabilidade da Embraer, há menos de dois anos se dedica ao tema da primeira infância.

Instituto Escolhas – A sua experiência no Fórum Econômico Mundial, em Davos, este ano mostra que a questão ambiental realmente está agora no centro da mesa dos grandes debates mundiais?

Mariana Luz – Pela primeira vez, a questão ambiental entrou entre os cinco maiores riscos para os negócios no relatório Global Risk. Em 2007, quando este relatório começou a ser feito, os riscos ambientais sempre ficavam lá atrás. Havia os riscos geopolíticos, os sociais e os econômicos. Chegou o momento de afirmar que além de importante ele é fundamental. O risco que a questão do clima pode trazer para os negócios, em termos de impactar os retornos econômicos, é real. A comunidade internacional está cada vez mais ciente dos riscos. Na minha visão, como está tudo conectado, é o desenvolvimento sustentável, de uma forma mais ampla, que vai mobilizar o setor privado de uma forma efetiva. Ao olhar para o negócio, para a empresa, pela minha experiência, os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) formam uma agenda comum. Como costumo brincar, eles são uma utopia global que está cada vez mais sedimentada entre os líderes.

Escolhas – A chave, então, virou para o setor privado em nível mundial, na sua opinião?

Mariana – Qualquer generalização é complicada em um momento tão polarizado que estamos vivendo no mundo, onde o debate está mais pobre e o entendimento, de uma forma geral, está menor. Mas há um consenso sobre a necessidade de se cuidar seja dos oceanos, seja de um melhor uso da terra, da necessidade de se evitar que as temperaturas aumentem ou que as espécies não sejam dizimadas. Existe sim a presença de um olhar mais amplo de bem estar social e ambiental e de uma convivência grande dessas dimensões. Os empresários entenderam que existe um risco. Se na área ambiental sempre se falou de deixar um planeta habitável para as futuras gerações, isso sempre pareceu algo distante. Mas a diferença hoje é que o risco existe também no curto prazo, de não ter a terra ou de não ter o oceano para os seus processos produtivos. Se não tiver algum tipo de selo, aquele produto vai ter dificuldades no comércio internacional.

Escolhas – No caso específico do Brasil, a sua percepção é mesma se fizermos um recorte para a realidade das empresas nacionais?

Mariana – O Brasil tem evoluído também nesta agenda ambiental. Vejo uma maior consciência no setor privado, nas empresas de uma forma geral. Mas a inclusão da questão socioambiental no pensamento estratégico – e sempre defendo que os aspectos sociais e ambientais andem juntos – foi mais difícil para o setor privado. Demorou, mas hoje a força deste processo no exterior também ecoa no Brasil, isso é inegável. O fato deste processo estar mais presente lá fora, o fato de você ter grandes CEOs de conglomerados internacionais escrevendo cartas com chamamento socioambiental, de existir os debates e projetos do Fórum, tudo isso abre as oportunidades para que os stakeholders venham participar do processo. Pela minha experiência no setor privado, quando você oferece mais caminhos para essa questão socioambiental, as coisas tendem a evoluir. Projetos bem estruturados são vistos como soluções.

O nível de consciência aumentou muito entre diferentes atores. Isso pressiona. A mobilização pública é fundamental para a mudança de comportamento. E no fim do dia o cérebro acaba reagindo mais ao risco. Porque isso na verdade é uma questão de sobrevivência. Quando a gente olha a partir da neurociência e do debate comportamental, quando você olha para a questão do meio ambiente, antes, era uma oportunidade. Mas agora que virou um risco e que você tem mais gente a tratando como um risco você tem de fato uma oportunidade de fazer com que isso aconteça.

Escolhas – Falando ainda sobre o Brasil, qual a sua análise sobre a política climática brasileira hoje?

Mariana – Os países em desenvolvimento, onde o Brasil se insere, sempre tiveram uma posição diferenciada, mas de responsabilidades comuns nas Convenções do Clima. Isso é legítimo e tem que ser considerado. Mas o mundo mudou e a ciência avançou. Os países em desenvolvimento de um modo geral não devem abrir mão dessa posição, mas precisam entender o que precisa ser feito. Não basta olhar para o mundo desenvolvido e dizer que eles desmataram, poluíram, fizeram isso e aquilo enquanto nós não fizemos nada disso, porque esse debate não cabe mais. Minha avaliação é que precisamos rever essa desconexão e se aglutinar mais com a ciência, com a realidade e com as oportunidades que temos. Além, claro, dos riscos que se manifestam agora de uma forma clara. Coloco o Brasil nessa caixa dos países em desenvolvimento que precisam buscar mais o pragmatismo. Olhar para a questão sem os grandes dogmas que rodeiam o debate é muito importante. Não só para o Brasil, mas para os vários países em desenvolvimento envolvidos com a agenda climática.

Escolhas – Como membro do Conselho Diretor, como você vê a atuação do Instituto Escolhas no fomento do debate sobre sustentabilidade, que foca justamente o olhar integrado entre economia e meio ambiente?

Mariana – A atuação do Escolhas é extraordinária. Ganhei um presente com este convite porque não estou atuando mais diretamente na área ambiental, mas depois de 20 anos você se apega, não tem jeito. O Escolhas desempenha um papel importantíssimo que preenche uma lacuna que temos no Brasil, que é a qualificação de um debate pragmático sobre a agenda ambiental e sobre a interação do meio ambiente com economia. Como não acredito em temas isolados, o Escolhas tem um papel importante em fazer essa conexão. O grande diferencial que vejo neste papel com a sociedade é o método. É o processo voltado para olharmos temas difíceis e destrinchá-los de forma muito rigorosa e colocar isso para o debate. Temos o lado A, o lado B e também o C. Qual é o melhor caminho, qual é a escolha que o Brasil vai fazer? Isso é muito oportuno.

Escolhas – Há um ano e meio você entrou na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal que cuida da temática da primeira infância. Qual foi a motivação?

Mariana – Meio ambiente e infância são minhas paixões agora, temas que me tocam muito ao mesmo tempo que também me causam indignação. E por isso existe sempre aquela oportunidade de poder fazer algo diferente. Apesar de o risco no caso da primeira infância existir se você olhar pela perspectiva da desigualdade e da pobreza, aqui na Fundação nós batalhamos para olharmos para as oportunidades e não para os riscos.

Até os seis anos você tem 90% do seu cérebro desenvolvido. Nesta fase da vida são os estímulos, o afeto e as interações positivas que fazem com que você tenha os marcos do desenvolvimento garantidos, que são os físico-motores, os cognitivos e os socioemocionais. Estas três dimensões formam a base sobre aquilo que você vai ser no futuro, do que será necessário para a vida profissional, que é a criatividade, a flexibilidade de lidar com os problemas e o trabalho em equipe. Não se trata de algo determinístico, mas se não forem feitas as conexões neste primeiro período de vida, elas vão demorar mais e custar mais para se formarem depois. É isso que nos mostra a ciência, as pesquisas neurológicas. O investimento logo no início é mais eficiente e mais barato, como costumo dizer, é o que quer qualquer liderança pública e privada. Ter uma equação que lhe permite fazer um investimento inicial baixo e ter um retorno alto e duradouro mais na frente.

Escolhas – Nessa sua trajetória, você vê alguma conexão entre primeira infância e meio ambiente?

Mariana – A primeira infância é um período crítico da vida, mas que tem de ter continuidade. Não adianta nada você ter uma primeira infância muito boa e depois não seguir no caminho da qualificação. Logo nos meus primeiros seis meses aqui, após sair da área ambiental, onde se fala sempre que precisamos pensar em deixar o planeta para as futuras gerações, aprendi a manter o mantra, mas de forma invertida. Nós precisamos deixar as gerações atuais melhores porque são elas que vão mudar o planeta. Não estou desistindo da geração atual, sou dela, milito, conheço milhões de pessoas maravilhosas. Mas haverá uma mudança sistêmica mais impactante se a gente conseguir mudar gerações da primeira infância. Não estamos conseguindo tratar disso nos campos mais vulneráveis. A gente continua deixando as classes mais pobres mais pobres e as classes mais ricas ainda mais ricas. O caminho do enfrentamento da desigualdade, quando olhamos para o caminho dos ODS e da agenda ambiental, é o que traz uma possibilidade mais integradora para termos a chance de mudar a história. Sobretudo se pensarmos em um cenário de dez anos, que já é amanhã.

Escolhas – Na sua avaliação sobre a primeira infância quais são os principais gargalos que precisam ser enfrentados?

Mariana – Eles estão muito relacionados com as quatro metas que temos na Fundação e uma delas é a comunicação. É onde temos uma licença poética de olhar para o todo, para que todos entendam a importância da causa e nos ajudem com a mobilização. As outras três metas são: educação infantil, parentalidade e avaliação.  A meta da educação infantil envolve fazer com que todos tenham creche (até os três anos) e pré-escola (até os cinco), de qualidade. No caso da parentalidade, o objetivo é trabalhar com os pais. Se nós considerarmos as crianças até os três anos, 30% estão na creche. O que significa que 70% está em casa. Então, nosso trabalho tem que ser nas casas e não na creche. Para isso é que serve a nossa meta de parentalidade, para trilhar esse caminho. A avaliação é também muito importante e ajuda a responder sua pergunta sobre os gargalos da primeira infância. A gente não tem um status das crianças porque não medimos como estão as crianças até os seis anos.

Escolhas – Em uma área onde existem muitas dificuldades e obstáculos, há também caminhos promissores que podem levar a melhorias nesse atendimento educacional a primeira infância?

Mariana – Existe sim. A gente aqui é muito fã de pensar no copo mais cheio. O Brasil, na temática da parentalidade, tem um dos maiores programas do mundo de visitação aos pais, que é o Criança Feliz. Na educação trabalhamos com municípios que estão absolutamente abertos a fazer um currículo de qualidade para a primeira infância. O trabalho da Fundação é exatamente garantir que o marco da educação e a base comum curricular para educação infantil seja bem implementadas. Na teoria, estes conjuntos legais são muito inspiradores, mas a gente precisa fazer com que eles cheguem à sala de aula e a criança. O que tira o meu sono é que não adianta ter apenas o marco legal. Precisamos contribuir para que o dia a dia da sala de aula esteja de fato pautado pelas diretrizes curriculares que estão muito bem definidas. Temos várias realidades. Quando olhamos para os mais vulneráveis, um dos recortes da nossa sociedade, o desafio fica ainda mais evidente. Mas apesar de você ter que focar nos mais vulneráveis, temos que ter um mínimo de massa crítica e de mobilização dos diferentes atores da sociedade para que tenhamos força para impulsionar as políticas que possam atingir as camadas mais pobres da população.

Escolhas – Como é a experiência de ser uma Young Leader Global? Como é o funcionamento deste grupo de escolhidos?

Mariana Luz – Foi um presente que ganhei. Como você tem que ser indicado para participar do Young Leader Global – um grupo criado há 15 anos para tentar identificar pessoas com potencial de liderança entre os representantes das novas gerações – é sempre uma experiência muito rica. Todos têm acesso ao programa do Fórum. Além de Davos tem os eventos que são regionais e outros anuais, como também convênios com grandes universidades onde ocorrem os programas de formação de lideranças. O mais rico, é a comunidade de pessoas que se forma. Você vai para qualquer lugar do mundo e conhece alguém que está fazendo alguma coisa importante e que tem acesso a algo que precisa. O propósito dos membros do grupo está sempre pautado em criar uma agenda para melhorar o mundo. É inacreditável o nível das pessoas e o grau de interação que existe. Temos um grupo com mais de mil pessoas conectadas.

 

Foto: Anna Carolina Negri

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