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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

05 abril 2017

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Fábio Barbosa

“Não é a sustentabilidade que trava o país”

Para Fábio Barbosa, a instabilidade das regras do jogo (insegurança jurídica, falta de respeito aos contratos, clareza na questão fiscal), o custo de capital e a falta de financiamento de longo prazo são maiores problemas para o país do que a sustentabilidade. Esta, para o conselheiro do Instituto Escolhas, vem avançando nas empresas à medida que se comprova que não é incompatível com a lucratividade. Barbosa, que presidiu o Grupo Santander, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e o Grupo Abril, atualmente é presidente do Conselho da Fundação Osesp, membro do conselho da UN Foundation, membro do conselho do Insper, do Itaú-Unibanco, do Instituto Empreender Endeavor e do Instituto Ayrton Senna, dentre outros.

Escolhas – O que fez com que aceitasse fazer parte do conselho de uma organização como o Instituto Escolhas?

Fabio Barbosa – Há mais de 20 anos venho trabalhando as questões ambiental e social incorporadas aos negócios, para trazer o tema para dentro das empresas. Por isso, sinto necessidade de ter reflexões sobre o assunto que ajudem as empresas a se posicionarem. Tanto a proposta quanto as pessoas que fazem parte do Escolhas podem ajudar a pensar e a discutir o papel das empresas nesse tema. A atuação do Instituto é alinhada ao que acredito.

Escolhas – As empresas, no Brasil, estão preparadas – ou dispostas – a discutir sustentabilidade do ponto de vista econômico?

Barbosa – Não tenho dúvida de que a economia está entrando na discussão, graças ao esforço de muita gente. Há duas décadas, quando se falava sobre sustentabilidade, o tema era visto como um movimento de radicais, por isso tinha pouca aceitação. Com o tempo, passou a ser agenda das empresas, que entenderam que não podem ignorar a questão por três razões: convicção, conveniência ou constrangimento. Não existe empresa de grande porte hoje que desconsidere o assunto. Algumas delas fizeram disso um diferencial e inspiração para novos negócios, como a Natura e a General Electric (GE). Outras aderiram porque tem mercado, como é o caso de produtos orgânicos, por exemplo. E as últimas, porque não dá para dizer que não se preocupam. Podemos discutir o ritmo do avanço, mas não se ele aconteceu. Hoje, os jovens têm muito mais consciência ambiental, social e ética do que na minha geração. Querem saber onde o que consomem foi produzido, quando e por quem. E eles têm impulsionado as empresas.

Escolhas – Como as empresas têm incorporado essas mudanças?

Barbosa – A grande mudança foi deixar de fazer contraposição entre a questão socioambiental e ser lucrativo. Vivíamos no mundo do “ou” e agora estamos no mundo do “e”. Breve estaremos em uma era do “não se faz um sem o outro”. Enquanto nos anos 1970 e 1980 as empresas criavam fundações para resolver questões de responsabilidade socioambiental, hoje estão incorporando o tema aos negócios. Existem assuntos que cabem em qualquer empresa: diversidade (de gênero, religiosa, de opinião etc.) está presente em todos os negócios; transparência com clientes e sociedade também. São de mais fácil adaptação. Em relação ao impacto que a empresa causa, todos também sabem o que fazer. Mas há especificidades relacionadas a determinados setores, como papel, minério de ferro, automobilístico, alimentício, onde há debates e falsos dilemas relacionados ao mantra “não dá para fazer se não for assim”. Um exemplo é dizer que não dá para produzir sem desmatar. Dá para fazer. Também é possível reduzir e reciclar matéria-prima, isso é bom para os negócios. Mas há os verdadeiros dilemas: energia limpa todo mundo quer, mas não se resolve a questão do uso de petróleo de uma hora para outra. E ninguém abre mão do automóvel. Vamos cobrar as externalidades do uso do petróleo? Sobre isso precisa haver debate, pois o aquecimento global é uma realidade. Os últimos dez anos foram os mais quentes dos últimos 150 anos. Qual é a contribuição que cada um pode dar? A GE mostrou que dá para ver o problema como oportunidade, que não é uma ética restritiva. Reconheço que há dificuldades, mas o assunto está na pauta.

Escolhas – A crise econômica atrapalha esse processo de discussão? As questões relacionadas à sustentabilidade não ficam em segundo plano em épocas de pouco crescimento econômico?

Barbosa – Não é uma verdade plena que a visão de sustentabilidade se contrapõe ao lucro, pois grande parte dos conceitos são alinhados com maior rentabilidade: economia de água, materiais mais leves, reutilização, redução e reciclagem. Em segundo lugar, não é que o cliente vai pagar mais por produtos com certificação. Com o tempo, ele não vai comprar sem isso. O café é um exemplo. Diziam que ninguém pagaria mais por um café certificado. Hoje não adianta oferecer ao mercado europeu sem certificação, porque ele não compra. Por outro lado, existe sim, nesta época de crise econômica, uma redução de investimentos em novas tecnologias. É lamentável, mas compreensível, já que dentre os itens da sustentabilidade está a financeira. Se a empresa quebrar, nada adiantou. A questão é que o Brasil tem um mundo de problemas e entraves a serem resolvidos e a sustentabilidade não é um dos maiores. O que trava o país é a instabilidade das regras do jogo (a insegurança jurídica, a falta de respeito aos contratos, clareza na questão fiscal), as leis trabalhistas, o custo de capital e a falta de financiamento de longo prazo. O Brasil não está investindo menos por precisar incorporar a questão ambiental.

Escolhas – Nesse contexto, qual é o papel do setor financeiro?

Barbosa – O setor financeiro tem o grande poder de direcionar recursos por meio do crédito para setores que terão mais espaço na economia. Assim, se não incorporar as questões sociais e ambientais nas análises de crédito, não estará ajudando a incorporar isso na sociedade. Ao emprestar para A e não para B, o setor financeiro ajuda o mundo a ficar mais parecido com A do que com B. Banco não é uma indústria cuja atividade em si cause danos ambientais, mas tem o papel de conhecer a indústria que está financiando, pois acolhe recursos da sociedade e os redireciona. Além disso, como toda empresa, precisa cuidar de suas práticas no dia-a-dia.

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