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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

04 novembro 2016

6 min de leitura

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Entrevista do mês: Ricardo Sennes

Falta ambiente de negócios no Brasil

Um dos fundadores e conselheiro do Instituto Escolhas, o economista Ricardo Sennes, diretor da Prospectiva Consultoria Brasileira de Assuntos Internacionais, acredita que o Brasil está relativamente bem posicionado no cenário mundial no longo prazo. Para o coordenador geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da Fiesp, o maior problema do país está na defasagem tecnológica e na baixa produtividade industrial, causadas pela falta de ambiente propício aos negócios. Sennes é um dos convidados do Fórum Desenvolvimento e Economia de Baixo Carbono, parceria entre o Instituto Escolhas, o Insper e a Folha de S. Paulo, que acontece dia 23 de novembro, em São Paulo.

Escolhas – Quais são os maiores dilemas da economia política internacional hoje?

Ricardo Sennes – Ainda temos o grosso da população mundial abaixo das condições humanas desejáveis em termos de bens materiais básicos, o que significa que há demandas para suprir com alimentos, energia, moradia e bem-estar, que pedem uma economia com algum nível de crescimento. Por outro lado, temos três direções que orientam fortemente o modelo de desenvolvimento econômico mundial, que podem trazer oportunidades, mas também contradições e tensões.

Escolhas – Quais são esses caminhos e como eles atuam?

Sennes – O primeiro está relacionado ao meio ambiente e às limitações materiais que ele impõe, que não são fáceis de resolver, frente às necessidades que ainda temos. O segundo é a tecnologia, com sua revolução digital e economia 4.0, e a possibilidade de ruptura do modo de vida e de produção, sobre a qual não se sabe para onde vai e qual a capacidade da sociedade de administrar, pois, ao destruir antigos padrões e criar novos, gera um ambiente pouco regulamentado. O terceiro ponto é a urbanização. Os países desenvolvidos são basicamente urbanos e, globalmente, já há mais gente nas cidades do que no campo. Em 2050, 80% da população mundial será urbana. Hoje, as relações econômicas no mundo acontecem mais entre grandes conurbações urbanas do que entre países. Esses três caminhos têm muitas tensões internas, dinâmicas difíceis de vislumbrar como vão se desenvolver no longo prazo. Qualquer cenário daqui para frente será o resultado da combinação desses três fatores (tecnologia, meio ambiente e lógica territorial urbana).

Escolhas – Nesse contexto, como deverá ser a nova organização econômica mundial e como ela vai operar?

Sennes – Essa organização econômica mundial está migrando de um plano de país (com sua moeda, mão-de-obra, sistema de crédito etc.) para outros paradigmas. O desenvolvimento econômico não será mais focado no PIB, mas no número de conexões econômicas que passam pelos grandes hubs mundiais. Estarão mais capacitados na cadeia de produção os hubs (ou centros urbanos) com maior número de trocas e conexões econômicas dentro deles. O problema é que isso muda a lógica da governança, mas não temos gestão urbana com essa agenda. Governos e organizações internacionais também não estão organizados com essa base.

Escolhas – Qual é a posição do Brasil nesse novo cenário global?

Sennes – O país tem mais aspectos positivos e, mesmo um pouco capenga, tem condições de inserção nesse cenário. Em relação às restrições ambientais, o Brasil tem vantagens na produção de alimento, uma matriz energética boa e minério, áreas em que é razoavelmente bem equacionado. Se a gestão nesses campos continuar melhorando, pode ser líder no processo. O país também já passou o pior do processo de urbanização e os nós podem começar a ser desatados. O Brasil já é um país urbanizado, só precisa corrigir erros. O ponto fraco é a parte tecnológica. Apesar de ter uma grande abertura para as questões digitais, com a incrível familiaridade do brasileiro com sistema de pagamento digital, urna eletrônica, redes sociais, o país não é produtor de tecnologia. Isso não acontece por um limite estrutural do país, mas pela falta de ambiente de negócios. O custo para empreender qualquer coisa é absurdo. Os grandes riscos tributários, trabalhistas, entre outros, consomem toda a propensão ao risco do empreendedor, criando um ambiente anti-inovação, onde o risco tecnológico fica muito grande. No geral, porém, o país está relativamente bem posicionado no longo prazo. Embora nada garanta que vá resolver seus problemas estruturais, se olharmos o cenário global, o desafio para o grosso dos países é mais difícil.

Escolhas – Quais são os desafios para o país enfrentar esses problemas estruturais e sua defasagem tecnológica?

Sennes – O Brasil sustentou a economia e a empregabilidade em um padrão muito baixo. O grosso do PIB é baseado em serviços, o que não seria problema se a maior parte da indústria, que é de pequeno e médio porte, não fosse pessimamente gerida e com padrão tecnológico ruim. É preciso pensar no que fazer com essas empresas inviáveis. As grandes empresas modernas são poucas. O desafio é saber como resolver o problema de empresas com produtividade decadente e que não têm como repassar produtividade para os trabalhadores. Do jeito que está, os dois lados vão afundar. A produtividade é a agenda esquecida do país, a que não soubemos tratar, nas outras, fomos para frente.

Escolhas – O Instituto Escolhas se propõe a colaborar para o desenvolvimento do país, dentro de uma realidade que caminha para uma economia de baixo carbono. Como isso pode ser feito?

Sennes – O Escolhas surgiu de uma insatisfação com a estratégia do campo ambiental no país, baseada na denúncia e na resistência, onde prevalece o não para quase todas as atividades econômicas existentes no mundo. Mas não se monta uma economia com turismo ecológico, energia solar e frutas orgânicas. A partir de conversas entre profissionais da área ambiental, econômica e iniciativa privada, percebemos que o debate está pouco qualificado e que é possível qualificar e instrumentalizar esse campo para mostrar alternativas de políticas públicas eficientes, economicamente e socialmente justas, que levem a escolhas com posturas ambientais melhores. A ideia é tornar a variável ambiental parte da equação das escolhas de políticas públicas. Para isso, era preciso traduzir a questão em números, ter pessoas qualificadas que conseguissem incorporar a variável ambiental em decisões de políticas econômicas, em áreas como energia, agricultura e cidades, saber quanto custam essas decisões. Queremos ser o Dieese [Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômico] do campo ambiental e, como ele, redesenhar a discussão dessa área, como foi feito no mundo do trabalho no país.

Escolhas – Estão conseguindo?

Sennes – Acredito que sim. O Instituto ainda é muito novo, mas tem feito um trabalho surpreendente, embora tenha o potencial para ser dez vezes maior. Pode vir a criar paradigmas internacionais. Mas o Brasil tem problemas para financiar esse tipo de projeto. O Dieese está ligado aos sindicatos, por isso tem financiamento. O Escolhas depende 100% da sociedade civil, o trabalho dos conselheiros é voluntário, não é corporativista. Por isso tem o desafio de crescer de forma independente.

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