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Mineração
Notícias
Por Instituto Escolhas
01 março 2023
5 min de leitura
Da denúncia à solução, o combate ao ouro ilegal ainda tem um longo caminho pela frente
Desde que as imagens da situação de crise humanitária em que se encontram indígenas Yanomami (TIY), em Roraima, percorreram o mundo, a exploração e o comércio do ouro têm mostrado o lado mais sombrio e nada reluzente do metal.
Às operações de assistência aos indígenas da TIY, juntaram-se outras voltadas à identificação dos principais articuladores dos garimpos estabelecidos no território. Ontem, dia 28, a Polícia Federal deflagrou uma nova operação para investigar suspeitos de financiarem o garimpo na TIY e o governo federal tem se esforçado em manter o assunto em evidência, tratando-o como prioridade em uma agenda interministerial.
Então está encaminhado? Sim, mas longe de ser resolvido. Como pontuou o diretor-executivo do Escolhas na coluna de Míriam Leitão, publicada no último domingo, as mudanças que devem ser feitas na legislação para garantir a devida punição dos responsáveis e extirpar o garimpo da Amazônia encontram-se em um estágio bastante inicial. “Do ponto de vista do Diário Oficial, não entramos ainda no novo governo, no que toca ao ouro”, afirmou Sérgio Leitão no artigo.
Vale lembrar que, entre 2015 e 2020, 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade foram comercializadas no Brasil. Somente em 2021, foram 52,8 toneladas ou 54% de todo o ouro extraído no país, que representam cerca de 2,5 bilhões de dólares.
O ouro e a lei
A lei brasileira proíbe a exploração do ouro em Terras Indígenas. Isso parece não importar ao garimpo, que avança sobre esses territórios assim como sobre unidades de conservação. E a explicação desse cenário é tão complexa quanto a situação.
Para começar, a legislação atual facilita a atuação ilegal, como explica Larissa Rodrigues:
Uma permissão de lavra garimpeira pode ser dada a um indivíduo ou uma cooperativa. Pessoa física tem um limite de 50 hectares para garimpar e a cooperativa, 10.000 hectares. Mas nada impede um garimpeiro de obter várias permissões. E ele pode ter um garimpo na Amazônia, morar em São Paulo e colocar outras pessoas para trabalhar lá. Isso é feito sem contratos formais de trabalho e sem direitos assegurados. E quem checa esses acordos? Ninguém. Além disso, quem trabalha no garimpo paga tudo com ouro, que funciona como uma moeda lá no meio da floresta. E se ele não quiser ou puder sair de lá para vender o ouro para uma DTVM, com certeza vai colocar na mão de um atravessador ou de vários. Então é todo um sistema à margem do oficial.
A lei só pede que, quando o ouro chegar à DTVM [Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, únicas instituições autorizadas pelo Banco Central a comprar o ouro dos garimpos], que ela esteja na mesma região da extração. Mas quem controla? Quem checa o número da lavra que o garimpeiro coloca no papel que ele preenche na DTVM, dizendo de onde veio o ouro?
A resposta é: ninguém. A lei, neste caso, reconhece a declaração com base no princípio da boa-fé. Não há checagens, nem documentos de comprovação da origem. Em pleno século 21, esses formulários são preenchidos em papel. Se o ouro foi extraído ilegalmente, mas declarado como legal no momento da venda, está concluída a lavagem.
Junte-se a isso o poder econômico do garimpo, instalado na região com maior índice de vulnerabilidade social do país, a presença cada vez mais evidente do crime organizado na Amazônia e a demanda permanente por ouro. O resultado é um cenário trágico, que demanda do país o fortalecimento permanente de suas organizações de fiscalização ambiental e ação social.
Justamente o oposto do que foi feito no governo anterior, que desmontou as estruturas de fiscalização enquanto atuou para fortalecer a lavra garimpeira, criando por decreto o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, apesar de todas as evidências de que o garimpo atua, hoje, em escala industrial.
Pesquisa do MapBiomas identificou 2869 pistas de pouso na Amazônia – quase o dobro do total de pistas que aparecem nos registros da ANAC. Destas, 804 (28%) estão dentro de áreas protegidas. Na TI Yanomami, existem 75 pistas, sendo que 33,7% estão a no máximo 5 km de distância de algum garimpo. Na TI Munduruku, o percentual sobe para 80%.
“A quantidade de pistas e consequentemente, de aeronaves em uso pelo garimpo, bem como o maquinário pesado empregado na atividade, indicam que o garimpo amazônico não é mais artesanal”, afirma Tasso Azevedo, coordenador geral do MapBiomas.
O ouro hoje
A ampla ofensiva do governo federal contra a exploração do ouro ilegal, amparada na extensa pesquisa de organizações que atuam há anos no tema (como o Escolhas), entendeu que derrubar o princípio da boa-fé é uma das estratégias mais urgentes para proteger a Amazônia do garimpo.
Há uma pressão crescente para que o Congresso aprove o PL 2159/20, de autoria da ex-deputada e atual presidenta da Funai, Joênia Wapichana, que estabelece critérios para regulamentar o mercado de ouro, estabelecendo a rastreabilidade.
No entanto, na coluna de Míriam Leitão, já citada, Sérgio Leitão alerta que alterar a boa-fé por Medida Provisória poderia agilizar o processo, sem entrar em conflito com a tramitação do PL, cujo escopo é mais amplo.
Enquanto isso, a desintrusão dos garimpeiros na TIY ainda está em andamento, mas as preocupações devem se voltar também para os territórios Munduruku e Kayapó, de onde as denúncias já começaram a chegar. A comunidade internacional está atenta.
Serão a floresta em pé e seus povos, finalmente, mais valorizados que um ativo financeiro ou uma joia? A ver.
Conheça todos os estudos do Escolhas sobre o ouro ilegal, aqui.
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