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Por Instituto Escolhas

08 dezembro 2017

6 min de leitura

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COP 23: Carbono dispendido na conferência se pagou?

Entrevistados pelo Escolhas dizem que a conferência de Bonn foi importante para mostrar incoerência do governo brasileiro em relação ao clima, por conta da medida provisória do petróleo

Realizada entre 6 e 17 de novembro, em Bonn, na Alemanha, a 23º Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 23) não trouxe muita novidade em seu encontro oficial, já que o prazo para a definição das regras para a implantação do Acordo de Paris (definido na COP 21 e no qual os países atestam o que pretendem fazer para reduzir suas emissões de gases de efeito estudo) só vence no próximo ano. Diante disso, o Instituto Escolhas perguntou a alguns brasileiros que estiveram em Bonn se a viagem valeu o carbono gasto.

Conforme a diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Ana Toni, a diretora executiva do World Resources Institute no Brasil, Rachel Biderman Furriela, o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal, deputado Nilto Tatto (PT-SP), o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, e a jornalista Ana Carolina Amaral, que cobriu o evento para o jornal Folha de S. Paulo, a viagem compensou, pois a reunião de pessoas dos mais diferentes setores de todo o mundo nesses quinze dias, sobretudo nos eventos paralelos, foi uma oportunidade única de mostrar o que tem sido feito, reforçar parcerias e mostrar que a questão climática é uma preocupação global. Para os brasileiros, em especial, foi importante para dar visibilidade à Medida Provisória 795, aprovada na Câmara no último dia 29, que dará renúncia fiscal que pode chegar a até R$ 1 trilhão para a exploração do pré-sal, mostrando a incoerência entre discurso e prática no governo brasileiro no que se refere às mudanças climáticas.

Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS): Já fui a mais de 15 conferências do clima por fazer parte do meu trabalho e ter ido a Bonn valeu sobretudo porque foi um termômetro importante para ver como o processo está evoluindo. Mais do que um evento internacional de governança do clima, que é a parte oficial, a COP se transformou em um encontro de economia de baixo carbono, que acontece nos eventos paralelos, onde empresas de energia eólica, solar, pequenas hidrelétricas mostram o que estão fazendo. O mesmo vale para o setor de transporte, com representantes de cidades de todo o mundo apresentando suas soluções. Na parte de governança, foi muito interessante ver o papel dos países em desenvolvimento, que passaram a cobrar dos países desenvolvidos o cumprimento das metas pré-2020 (ou seja, do Protocolo de Quioto), antes que o Acordo de Paris passe a valer, após 2020. O que ficou dessa conferência é que, com ou sem os Estados Unidos, o mundo caminha em direção ao baixo carbono, nas cidades e nos negócios, com mais ambição. Estamos na direção certa, mas agora necessitamos investir na urgência e na rapidez, pois para atingirmos as metas, sobretudo de não chegarmos a um aumento de temperatura de 1,5º C, precisamos mais do que os países se propuseram a fazer, além da garantia de que implementem o que prometeram. O espaço brasileiro foi marcado por muitos eventos e ótimas discussões, com a presença de mais de 20 deputados e senadores, além de empresários e sociedade civil, mostrando que a tema também ganhou força por aqui. Outro fato importante é que o mundo passou a dar relevância para a agenda de floresta e agricultura, que era mais forte no Brasil. Por outro lado, os atores brasileiros acordaram para o tema que era prioridade global e passaram a também discutir sobre energia.

Rachel Biderman, diretora executiva do World Resources Institute no Brasil (WRI-Brasil): Minha ida a Bonn valeu para aprender como a sociedade civil organizada, governos subnacionais e empresas estão acelerados na agenda de baixo carbono, a despeito da lentidão e atraso das negociações globais. Aprendi também muito entendendo como o setor financeiro está se envolvendo na questão dos riscos de carbono. Pudemos mostrar para audiência internacional o que fazemos no Brasil na agenda de economia florestal e agroflorestal de baixo carbono.

Ana Carol Amaral, jornalista: Fui a três conferências do clima e sempre ouço o questionamento sobre a necessidade de se fazer um encontro tão grande, com tanta gente viajando. No ano passado, até questionei se precisávamos realmente de uma COP e me disseram que o evento virou uma festa, que para as negociações em si realmente não precisaria tanto. Mas o encontro é tão rico de pessoas, empresas e sociedade civil, que não é mais apenas sobre negociações. Havia 20 mil pessoas reunidas em Bonn. As negociações diplomáticas não foram o mais importante, pois a assinatura será mesmo no ano que vem. Mas se é para usar as emissões de carbono para ir ao evento que seja para mudar a situação e é melhor que existam esses encontros paralelos. No caso do EUA, por exemplo, Trump saiu do Acordo de Paris, mas o país levou, pela primeira vez na história, uma segunda delegação, alternativa, que motivou e inspirou. Se fosse apenas as negociações oficiais, voltaríamos deprimidos, pois com a saída do governo norte-americano nem se discutiu financiamento, pois não havia clima. Para a imprensa, a COP é usada para mandar recados internos para os países e para promover temas para os quais não haveria espaço. Nesse ano, no Brasil, o assunto foi a MP do petróleo, mostrando como é crítica a incoerência do país em relação ao clima.

Nilto Tatto, deputado federal (PT/SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável: Valeu a viagem, primeiro porque é um espaço de formação sobre o tema para os parlamentares que têm papel importante na definição das políticas públicas sobre a questão climática no Brasil. Também aproveitamos a oportunidade para, junto com a sociedade civil brasileira, denunciar as contradições da postura brasileira no evento. Os técnicos e negociadores do Itamarati com postura progressiva e, no Brasil, um conjunto de medidas que vão na contramão dos compromissos assumidos pelo país na COP 21, em Paris. Também aproveitamos para organizar o espaço das comissões de meio ambiente da Câmara, do Senado e da Comissão de Mudanças Climáticas para debater com a sociedade civil e representações institucional do governo sobre a pauta no Congresso que dialoga com os compromissos do Brasil, como, por exemplo, o Protocolo de Nagoia, MP 795, biocombustível, entre outros. Foi positivo o fato de não ter concretizado a ameaça de retrocesso no conceito de responsabilidade diferenciada, ou seja, a relação entre países ricos e pobres. Foi negativo o fato de ter avançado pouco a definição das regras para monitorar os compromissos dos países e pouco avanço na estruturação do fundo para apoiar o desenvolvimento dos países em desenvolvimento.

Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima: Do ponto de vista do Observatório valeu a viagem porque usamos a oportunidade para falar do Brasil, para expor para a comunidade internacional nossas contradições e retrocessos. Conseguimos dar visibilidade para a MP 795, que isenta impostos do petróleo e, com isso, deram o Prêmio Fóssil do dia para o Brasil e o jornal The Guardian publicou artigo a esse respeito. Pudemos mostrar a contradição entre o discurso e a prática do governo brasileiro, que disse na COP que deveríamos acelerar as ações para reduzir emissões, mas faz o oposto aqui. Sobre a conferência em si, entregou alguns documentos, mas não vimos grandes anúncios sobre países que vão fazer mais do prometeram no Acordo de Paris nem sobre financiamento climático e, sem isso, as coisas não acontecem. O lado positivo é que a presença de atores fora das delegações dos governos nacionais sempre acabam marcando as conferências. Neste ano, foi importante ver o movimentos de governos estaduais, empresas e sociedade civil norte-americanos para dizer que os Estados Unidos vai entregar o correspondente ao compromisso assumido no governo Obama independentemente do governo Trump. Um exemplo é que o estado da Califórnia sediará, em setembro do próximo ano, uma conferência com governos subnacionais e sociedade civil para discutir medidas que podem ser adotadas. Mas, embora esses exemplos sejam bons, ainda não são universalizados. No Brasil, não temos nenhum estado assumindo compromissos além do prometido pelo governo federal.

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