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Entrevistas
Por Instituto Escolhas
04 dezembro 2019
8 min de leitura
Entrevista do mês: Carlos Manso
Modelo de desenvolvimento para o Amazonas foca na bioeconomia
Premissa básica da proposta inovadora é manter a floresta em pé
Especialista em desenvolvimento regional, Carlos Alberto Manso, economista baseado no Ceará, tem como foco dos seus estudos a vulnerabilidade social. Para ele, é importante que o país consiga encontrar modelos de desenvolvimento que favoreçam os mais pobres. Pela tese do pesquisador, aumentar a produtividade da população de baixa renda gera impactos positivos em toda a economia de uma região ou país. A desigualdade social muito alta, defende Manso, funciona como um freio para o crescimento econômico nacional.
Com intuito de oferecer um modelo econômico complementar ao que existe há décadas no Estado do Amazonas, a Zona Franca de Manaus, Manso fez uma análise prospectiva da economia manauara e amazonense. O resultado do trabalho, como o economista explica nesta entrevista do mês, aponta quatro eixos de ação, todos baseados na biodiversidade da região, como uma forma de gerar empregos para a região.
Para que isso seja alcançado, existe uma série de fatores críticos que precisam ser enfrentados por toda a comunidade da região. Uma das premissas básicas do modelo econômico inovador, apresentado no estudo “Uma nova economia para o Amazonas: Zona Franca de Manaus e Bioeconomia”, é que a floresta seja mantida em pé”.
Instituto Escolhas – No caso específico de regiões menos desenvolvidas do país, como o Norte e o Nordeste, é justificável defender subsídios estatais para estimular o crescimento econômico?
Carlos Manso – Para mim, quanto menos intervenções estatais melhor, mas dado um quadro muito agudo de vulnerabilidade social, o Estado tem que fazer algumas intervenções porque não é o mercado que vai resolver o problema de baixa produtividade das pessoas mais pobres. O Norte e o Nordeste do Brasil são regiões com condições muito próprias. Nestes dois locais, você tem um quadro agudo e persistente de vulnerabilidade social e a força do mercado para resolver os problemas é sempre limitada.
Escolhas – Portanto, os subsídios são essenciais na Amazônia?
Manso – Os subsídios [anualmente são dados R$ 23 bilhões em incentivos às empresas da Zona Franca], normalmente, causam enormes distorções. Por isso, é preciso enfrentar um desafio em termos de políticas públicas para que, apesar dos subsídios, se tenha mais efetividade e menos distorções. As políticas públicas precisam ser bem desenhadas, porque nas regiões de baixa renda você não tem margem de erro, as contas públicas já estão bastante fragilizadas.
Escolhas – Quando você fala de distorções, este é o caso do modelo da Zona Franca?
Manso – A Zona Franca também é um assunto caro para mim. É um modelo que sobrevive pelos incentivos fiscais mas, ao mesmo tempo, você tem um Estado com vulnerabilidade social muito alta, com pobreza e fragilidade social muito forte, principalmente no interior. É uma situação muito desafiadora e estimulante para os economistas. O modelo do Polo Industrial de Manaus não sofreu revisões ao longo do tempo. Não houve ajustes. Ele fazia parte de uma política nacional que logo depois deixou de existir. Nós temos muitas dificuldades de fazer planos nacionais. Na época [os incentivos fiscais do polo foram criados em um decreto federal de fevereiro de 1967], a ideia tinha algum fundamento porque fazia parte de um plano de ocupação econômica. As coisas mudaram, a vida é dinâmica, mas o modelo permaneceu o mesmo. Ele é voltado para o mercado doméstico, o que distorce as alocações de investimento dentro do Brasil. Não existe uma preocupação de integrar a produção da Zona Franca com cadeias globais ou com a competitividade. . Os custos e as dificuldades da implantação de um negócio estão decididos por meio dos incentivos fiscais. É como se fosse um jogo com o resultado já programado. Não há estímulo para a absorção de tecnologias. O modelo oferece benefícios locais, mas o custo dele é dividido por toda a Nação. Há uma clara dependência das decisões da política nacional.
Escolhas – Quais foram os grandes desafios para fazer o estudo, que apresenta um modelo complementar de desenvolvimento para o Amazonas?
Manso – O Escolhas propôs responder a pergunta de como seria possível dinamizar a economia do Amazonas de forma que ela ficasse independente das decisões nacionais. Em nenhum momento nós imaginamos uma ruptura imediata em relação à Zona Franca porque temos consciência que a economia do Estado é explicada por ela. O nosso modelo mostra que existem eixos de ação que podem dar muitos resultados econômicos para a região, muito mais do que o modelo existente hoje. Resultados que podem ser atingidos a partir da riqueza da biodiversidade da região e mantendo a floresta em pé.
Escolhas – Quais são os eixos de desenvolvimento econômico que vocês identificaram?
Manso – A análise prospectiva que fizemos envolveu conversar com pessoas que têm um profundo conhecimento do desenvolvimento da Amazônia. Elas são dos setores privado e público e também da Academia. A partir disso, nós chegamos a quatro eixos de oportunidades: a bioeconomia, o polo de economia da transformação digital, o ecoturismo e a piscicultura. Os eixos são complementares entre si. Quando falamos de bioeconomia estamos nos referindo ao desenvolvimento de processos de conversão de um determinado extrato ou outra substância em um produto de alto valor agregado. A bioeconomia permite a sustentabilidade, diretriz importantíssima para manter a floresta em pé, e o uso de insumos locais. Algo muito relevante também é que a nossa proposta prevê a inserção da produção nas cadeia globais. A bioeconomia é parte de uma economia globalizada porque os consumidores do mundo todo demandam esses tipos de produtos.
Escolhas – Quais são as características dos outros eixos?
Manso – O segundo eixo em importância é o da transformação digital. Existe na região uma legislação estadual importante que se complementa a lei federal de informática. O desenvolvimento desse eixo também vai ao encontro de um desafio mundial, que é aumentar o nível de emprego dos mais jovens. No caso do ecoturismo, é um setor econômico que se beneficia de uma mão de obra intensiva que existe na região. A piscicultura tem o potencial de levar dinamismo ao interior e de gerar renda para pessoas com baixa qualificação.
Escolhas – Quais são os grandes obstáculos para a implantação do modelo? Existe uma situação ideal para que ele seja implementado?
Manso – O estudo tem uma lista de obstáculos que precisa ser enfrentada. Porém, prefiro ver o copo como meio cheio. Em vez de obstáculos, enxergo os fatores que mapeamos como itens que precisam ser trabalhados para dar dinamismo aos eixos citados anteriormente. Por exemplo, você precisa de infraestrutura física, de ações de marketing, de formação e treinamento de pessoas, de projetos de pesquisa e desenvolvimento. Cada área tem os seus fatores críticos específicos. Essa é uma contribuição muito importante do estudo.
Escolhas – Você pode citar alguns exemplos?
Manso – No caso da bioeconomia, por exemplo, precisamos ter cursos específicos desta área na região, o que não existe atualmente. No ecoturismo e na piscicultura, é preciso ter gestão de empreendedorismo. Além de ações de marketing, outra carência que existe no Amazonas.
Escolhas – De onde vem a previsão para os investimentos?
Manso – Todo esse movimento precisa envolver o modelo tripartite. Tem que ter a participação do Estado, mas também do setor privado e da academia. É necessário ter os três pilares, o Estado, as empresas e as universidades
Escolhas – O estudo prevê a criação de 218 mil empregos. Em que condições eles vão ser criados?
Manso – Se todos os fatores críticos forem tratados de forma adequada e as visões de futuro que nós desenhamos forem perseguidas de forma bem clara vai haver um aumento de demanda no Estado. Nós calculamos as taxas de crescimento econômico, validamos com os nossos interlocutores, e chegamos ao número de empregos apresentado. Precisa haver um grande esforço, é verdade, para que todos os desafios sejam enfrentados, mas é um exercício de realismo bem elaborado. As propostas são totalmente factíveis, lembrando que o plano da Zona Franca prevê a manutenção de 100 mil empregos no polo. Com um ecossistema vigoroso de inovação, para gerar desenvolvimento tecnológico, produtivo, industrial, social e com as três esferas de governo, com as empresas e as universidades sincronizadas, os resultados podem ser obtidos.
Escolhas – Quais são as visões de futuro que o Escolhas mapeou para o Amazonas?
Manso – O dinamismo dos eixos permite imaginar alguns cenários. O Amazonas pode ser uma espécie de Escandinávia, se o segmento de móveis ecológicos for adequadamente desenvolvido, ou, então, ser um polo gastronômico importante da floresta, assim como é Lima, no Peru. Existem outras comparações possíveis. Manaus pode virar um polo de moda ecológica, como Milão é para a moda convencional, ou a Paris do ecoturismo mundial. Existe ainda a comparação com o Vale do Silício. Manaus poderia tornar-se também uma grande referência tecnológica da biodiversidade. A nossa proposta é uma contribuição para o debate sobre o desenvolvimento da região.
Escolhas – O modelo proposto por vocês para o Amazonas é replicável para outras regiões do Brasil?
Manso – Ele é totalmente replicável. Um ecossistema de inovação voltado para a bioeconomia faz sentido para o Amazonas. Em outras regiões, as vocações locais precisam ser respeitadas. Em Santa Catarina podemos ter um ecossistema voltado para TI. No Ceará, baseado em energias renováveis e assim por diante. O que muda são os ajustes, mas o modelo de pesquisa, de financiamento e como fazer a aproximação entre academia, governo e empresa são os mesmos. A ideia é ter um modelo que não depende de subsídios ou de incentivos tributários. Os incentivos devem existir, mas não para a produção. Eles devem ser feitos para o desenvolvimento da ideia, para que a inovação frutifique, mas não para a produção, como ocorre com a Zona Franca.
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