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Entrevistas
Por Instituto Escolhas
28 janeiro 2022
6 min de leitura
ESCOLHAS ENTREVISTA – Luciana F. Veiga: entre o desencanto e a esperança raivosa, o eleitor vai às urnas
Para a doutora em Ciência Política e especialista em comportamento do eleitor, Luciana Fernandes Veiga, em 2022, a economia vai pautar as eleições presidenciais mais uma vez
Há mais de duas décadas, Luciana Fernandes Veiga dedica-se ao estudo dos processos eleitorais e do comportamento de seus componentes. Doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, com pós-doutorado em Ciência Política pela Universidade da Califórnia, ela é professora titular da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Unirio, e atual presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).
Esta entrevista inaugura o ciclo 2022 do boletim mensal do Instituto Escolhas e, certamente, trata de um dos temas prioritários deste ano: as eleições presidenciais. Temos nove meses pela frente e uma expectativa de grande parte da população de que, após outubro, tudo vai ser diferente. Será mesmo? Recorremos à professora Luciana para contextualizar este momento e aprofundar a reflexão sobre o que ele significa para o desenvolvimento do país.
Escolhas – Há uma metáfora que explica a política como o caminhar de um gigante em cujas calças os mais hábeis se agarram. Aproveitando essa imagem, qual ou quais são os gigantes que estão caminhando neste início de ano eleitoral no Brasil?
Luciana F. Veiga – Neste momento, talvez o gigante seja meio feio, no sentido de triste, porque a construção da política atual se dá em cima de muita insatisfação do eleitorado. É como se o eleitor estivesse apanhando sistematicamente. Ele já entrou em 2018 sem ver os seus anseios, desejos e necessidades representados. Então temos um voto fluido, que foi para o Lula depois que o Fernando Henrique não conseguiu trazer novos empregos e, depois, para o Bolsonaro, com a esperança de que ele pudesse devolver o padrão de vida que o Lula havia dado.
Para o eleitor mais pragmático – e não estou falando aqui do eleitor ideológico – esse gigante que, na verdade, passa desde 2013, tem uma feição antissistema porque o sistema político não entrega a transformação desejada, que se demarca por serviços públicos de qualidade. Bolsonaro soube agarrar-se a ele e nutrir o gigante, mas seu governo também não entregou o que os eleitores esperavam. Houve, sim, muito retrocesso nos direitos humanos, no meio ambiente, na educação e nas oportunidades de trabalho. O mesmo na economia: não houve um avanço que gerasse emprego, renda e melhores condições de vida. Então o que você tem? Desencantamento após desencantamento…
E agora é o Lula quem se agarra à barra da calça?
Sim. Mas por que o Lula? Porque ele é a última lembrança boa antes desse momento que se arrasta desde 2013. Quando as pessoas tinham emprego e comida? Na época do Lula.
Ainda assim, apesar de todas as pesquisas indicarem a provável vitória do Lula nas próximas eleições, ainda paira uma sensação de que o inesperado ronda e tudo pode mudar a qualquer momento. O jogo está mesmo definido?
Essa sensação existe porque a gente está no campo da imagem. Ainda não existe um projeto concreto que deixe as pessoas seguras do que elas estão aprovando. Claro que naqueles 48% [de intenção de voto no Lula no primeiro turno, de acordo com a pesquisa do Ipec divulgada em dezembro] existem pessoas convictas em relação ao Lula e a sua capacidade de gerar o bem-estar que elas vêm como valor. Mas ali tem também um segmento que só quer se livrar do Bolsonaro. Por isso, essa sensação de fluidez, e não de entusiasmo e segurança.
Até porque não temos indicativo de que as coisas tenham muita chance de mudar. A PEC do teto dos gastos vai deixar o Brasil em uma situação pior do que a de hoje. Então o que existe é uma esperança de que a eleição possa trazer ao governo federal uma nova relação com o Legislativo e que isso possa gerar confiança nas instituições nacionais e internacionais para que o país comece a melhorar paulatinamente.
E estamos falando de políticas de saúde, educação, meio ambiente. São coisas que não se resolvem em quatro anos. Então daqui a 20, 30 anos, provavelmente a situação estará pior porque estamos destruindo ativos ambientais e tomando uma série de decisões erradas. Como a gente sai dessa furada?
Eu acho que a polarização é a primeira coisa que a gente deve buscar evitar e eu me preocupo mais com a extrema-direita, que hoje está no Governo Federal. A gente já teve governos de esquerda, centro-esquerda, centro-direita. Mas, de alguma maneira, havia uma continuidade e o compromisso com algumas políticas como a universalização dos direitos. A agenda econômica podia ser diferenciada, com um pouco mais de privatização, um pouco mais de investimento em bem-estar social, mas existia um consenso de que em algumas áreas não se poderia mexer devido às necessidades do país. Por isso, a primeira coisa é evitar esses extremos ideológicos.
Outro ponto é resgatar a governabilidade e a relação entre executivo e legislativo. Em nosso sistema de governo, o presidente eleito compõe uma maioria na Câmara, compartilhando poder, destinando ministérios em determinada proporção. Isso, de alguma maneira, gera estabilidade.
No atual processo chega-se à situação limite do orçamento secreto, com a negociação acontecendo cabeça a cabeça. Isso é muito mais instável porque o presidente entra sem uma agenda, ele já entra vendido. Essa é uma situação que a gente deve evitar.
Falando dessa relação com o Centrão: é lá que habitam, entre outras bancadas, a do agronegócio, que bate de frente com a agenda ambiental. No atual contexto, como você avalia a possibilidade do meio ambiente e da emergência climática se consolidarem como temas relevantes nos debates eleitorais deste ano?
Esses são temas que até vêm ganhando importância junto ao eleitorado. Mas a eleição de 2022 deve ser muito pautada na economia. E falo da economia no seu aspecto mais elementar porque boa parte deste país está com fome. Então qual a agenda da grande maioria das pessoas? Emprego e renda. Ou seja, garantir o poder de compra no seu aspecto mais básico. É muito difícil trazer o meio ambiente para a discussão.
Por outro lado, eu acho que a questão ambiental está subutilizada e é uma agenda que a gente precisa desenvolver. Nos Estados Unidos, por exemplo, o meio ambiente ganhou centralidade com o passar dos anos, embora também tenha ficado a reboque da polarização – nos anos 70, havia menos discordância entre Democratas e Republicanos sobre o meio ambiente do que há hoje.
Então é preciso ter cuidado ao tratar desse tema porque seu potencial no Brasil, historicamente, vem aumentando e deve ser protegido dessa polarização.
E como isso pode ser feito, considerando a perspectiva do eleitorado?
É preciso – tanto na negociação no congresso quanto na conversa com o eleitorado – superar essa dicotomia de agronegócio versus meio ambiente e mostrar que, na verdade, é possível ter um jogo de soma positiva. A política externa e o comércio internacional são essenciais nesse processo. Quando você tem retaliação dos países da Comunidade Europeia à política ambiental no Brasil isso serve como um fator de estímulo econômico essencial para a pauta ambiental, mostrando que ela também é econômica em curto e em longo prazos.
Se a gente não mudar a discussão nesse sentido, o discurso do Agro vai seguir forte para um Brasil que, em última instância, está com fome e sem emprego. Daí eles falam que são eles que trabalham, geram emprego, divisas, dão equilíbrio à balança comercial etc. E mesmo esse discurso só beneficia o Agro parcialmente, até que a chave mude, porque as mudanças climáticas também afetam a produtividade deles.
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