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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

03 outubro 2016

4 min de leitura

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Entrevista do mês: Zeina Latif

Para a economista, é preciso ter cronogramas realistas para o cumprimento das metas de Paris

As empresas estão passando por dificuldades no país e, com isso, investimentos de qualquer natureza ficam adiados, inclusive para aderir à economia de baixo carbono. E isso acontece também no setor agropecuário. Essa é a visão de Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos e conselheira do Instituto Escolhas. “Se empresário rural está perdendo o sono para pagar as contas, não consegue pensar em adequações. Nessa fase, se conseguirmos evitar retrocessos, já será um golaço”, avalia. Para a doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), o país ainda está na UTI e não há mais espaço para erros, sob o risco de termos uma recessão ainda mais prolongada. Nesse contexto, é preciso ter cronogramas realistas para o cumprimento das metas de Paris.

Escolhas – Como vê a atual crise brasileira? Ela poderia ter sido evitada?

Zeina Latif – Essa crise foi causada por nós mesmos, apesar do cenário internacional não ser benigno para países emergentes. O governo Dilma Rousseff pegou um ciclo de quedas no preço das commodities, mas o Brasil teve erros de política econômica. O governo federal subestimou sinais que indicavam problemas, não levou as críticas em consideração, deu desculpas e não agiu. Cometeu erros em várias frentes. Não é a toa que entramos na armadilha de inflação teimosa e recessão, com desequilíbrio na balança comercial e atividade industrial caindo. O país está doente e não adianta o médico mandar para casa só com uma aspirina. O governo teve culpa pela crise. A campanha eleitoral de 2014 foi um absurdo, praticamente quebrou o tesouro nacional, dizendo para a sociedade que estava tudo bem. No início do novo mandato, Dilma teve oportunidade de fazer os ajustes necessários com o Joaquim Levy, mas perdeu o ministro da Fazenda porque se recusou a fazê-los, e o país perdeu grau de investimento.

zeinaEscolhas – Quais as perspectivas para a economia do país?

Zeina Latif –  O ano começou com o mercado precificando o câmbio a R$ 6 para 2019 e a inflação caminhando para 10% para 2018/2019, o que era insustentável. Os sinais se estabilizaram, mas, antes de comemorar, é preciso que se diga que o país ainda está na UTI, não podemos errar, sob o risco de termos uma recessão ainda mais prolongada. A situação ainda é frágil, com as empresas passando por enormes problemas financeiros e a população endividada e com crédito restrito. A inflação ainda é alta e não dá para fazer corte de juros. O Banco Central não pode fazer milagres. Tudo tem que dar certo para conseguirmos digerir dificuldades até dar tempo da economia voltar a crescer e a receita das pessoas aumentar. Mas não dá para saber se vai ser logo, pois a aprovação das reformas no Congresso, como a PEC do teto de gasto e a PEC da Previdência, não é rápida. Dá para ter uma visão positiva de país, mas sem espaço para grande otimismo.

Escolhas – O que podemos esperar em termos de aprendizado a partir dessa crise?

Percebo que a crise está mexendo com convicções, tem algo novo acontecendo. A década passada foi um período de crescimento e gerou acomodação no Brasil. Os empresários deixaram de olhar o país e a sociedade só se preocupava com o consumo. Houve acomodação com uma política econômica descuidada. Agora estamos em um momento no qual precisamos ajudar a sociedade a ser mais participante de fato, pois isso é o que diferencia um país, mostra que está maduro. Acredito que essa é a mudança que está acontecendo, as pessoas estão mais engajadas e isso precisa refletir em participação.

Escolhas – Nesse contexto, como fica a necessária transição para uma economia de baixo carbono e o cumprimento das metas assumidas pelo país no Acordo de Paris?

Zeina Latif – As empresas estão passando por dificuldades e, com isso, investimentos de qualquer natureza ficam adiados, inclusive para aderir à economia de baixo carbono. Na agropecuária, houve ainda questões climáticas, com grandes secas, que quebraram as safras. Muitos agricultores estão também enfrentando dificuldades e ainda precisam avançar no cumprimento das regras do Código Florestal, mas isso tem um custo. Se o empresário rural está perdendo o sono para pagar as contas, não consegue pensar em adequações. Nessa fase, se conseguirmos evitar retrocessos, já será um golaço. Mas, se está difícil para o Brasil cumprir as metas de Paris, por conta da crise, a consciência ambiental aumentou. Há empresários defendendo o Código florestal. O Brasil é uma sociedade em transformação e esse é o tempo de fazer as empresas refletirem sobre como enfrentar essa agenda. Mas é preciso ter pragmatismo, com outros cronogramas para o Brasil cumprir seus compromissos.

Escolhas – Como um instituto como o Escolhas pode colaborar para essa transformação que leve a uma agenda factível?

Zeina Latif – O Escolhas tem uma contribuição importante. Identificar oportunidades e custos de uma coisa é o primeiro passo para avançar, para se fazer a melhor escolha. E é essa a proposta do instituto. Seus estudos podem ajudar a ver o que é mais urgente, e o que é mais urgente e mais viável. É preciso conciliar urgência e custo palatável. Não adianta ter meta absurda que a sociedade não consegue pagar.

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