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Entrevistas
Por Instituto Escolhas
11 janeiro 2019
9 min de leitura
Entrevista do Mês: Ricardo Sennes
Em pouco tempo de atuação, o governo recém eleito para presidir o país já deu alguns sinais de desencontros, o que parece preocupar alguns setores da sociedade brasileira. O que podemos esperar dos próximos anos? Conversamos com Ricardo Sennes, que é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) para tentar responder essa e outras perguntas. Sennes é sócio diretor da Prospectiva e especialista em cenários políticos e econômicos, um dos fundadores do Instituto Escolhas, atualmente presidente da organização e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da FIESP e do Conselho da Revista Foreign Affairs (México e EUA). Confira!
Instituto Escolhas – Olhando o resultado das eleições presidenciais e do congresso nacional, qual a sua análise sobre o cenário político e econômico do país?
Ricardo Sennes – Tem gente que acha que essa eleição foi um grande pacote de mudança, mas nós da Prospectiva não vemos assim e eu vou explicar o porquê. Temos duas coisas importantes a destacar nesse cenário que se apresenta. Uma é o descolamento entre a eleição presidencial e todas as outras eleições no país, incluindo senado, câmara, governos estaduais e assembleias legislativas. Isso acontece porque o que predominou nessas eleições foi a pulverização, um processo onde cada vez mais partidos pequenos surgem e crescem de modo avassalador. Tivemos uma enorme dispersão da representatividade político-partidário com as disputas girando em torno de 12 ou 13 partidos relevantes. Os dois maiores partidos não passam de 10% de representatividade. Ou seja, o sistema político está fragmentado, algo que tem se tornado contínuo e que nessa eleição se confirmou novamente.
Entretanto, isso não ocorre no campo presidencial, que é muito distinto. Paradoxalmente temos um padrão desde 1989, onde cerca de 45% da população vota em um candidato de centro esquerda no primeiro turno – um papel exercido pelo PT desde então – e cerca de 50% vota em candidatos de centro direita ou direita. A principal variação aqui foi o campo político da centro direita, que teve uma guinada muito nítida à direita. Ou seja, esse eleitorado, após 6 eleições, optou por um candidato mais alinhado à direita, assim como vimos na época do Collor.
Em suma, não há nenhuma novidade do ponto de vista da disputa eleitoral. A fragmentação partidária se aprofundou e no campo presidencial temos uma polarização de públicos mais ou menos estruturados desde 1989 que agora elegeu um candidato de direita por uma margem de diferença relativamente pequena em relação ao segundo colocado.
Do ponto de vista de renovação, podemos dizer que tivemos uma nominal (taxa de não reeleição) que são os deputados e senadores não reeleitos que abriram espaço para novos políticos; e a taxa efetiva (novos candidatos que entraram e que não são políticos de carreira, ou seja, aqueles realmente neófitos) que foi de 19%, um índice que dobrou. Porém, 81% são de políticos tradicionais. Não tivemos uma eleição de ruptura do padrão político eleitoral que já vinha funcionando. Ele permaneceu.
Escolhas – Existe uma preocupação grande com posicionamentos considerados conservadores de líderes do novo governo, como exemplo, no tema do aquecimento global e saída do Acordo de Paris. Ao mesmo tempo muita gente acredita que na hora de governar a teoria vira outra. Acontece um certo pragmatismo que orienta a atuação política. Qual a sua avaliação no Brasil?
Ricardo Sennes – A lógica partidária é o que rege o modelo político brasileiro. Todo presidente enfrenta desafios grandes na hora de governar por ter que estruturar uma grande bancada de apoio em um ambiente de alta fragmentação partidária. Os governos têm mostrado enorme dificuldade em sustentar essa situação a médio e longo prazo. Isso tem acontecido com candidatos da esquerda e da direita. Cada votação é uma votação, garantir a maioria qualificada nas batalhas políticas é difícil e custoso. O atual governo quer fazer isso com bancadas temáticas. Isso nunca foi tentado. É uma estratégia de alto risco do novo governo, pois sabe que a opinião pública, a sociedade civil, órgãos de controle e algumas instituições têm peso no país. Ter o apoio de três ou quatro bancadas temáticas não resolve o problema crônico de formação de maiorias políticas estáveis. A recuperação econômica é o melhor argumento. Sempre. Mas, a retomada da economia esperada para esse ano – entre 2% e 3% de crescimento do PIB – Produto Interno Bruto – não necessariamente vai ter o rebatimento em empregabilidade. Não se trata apenas de PIB.
Dito isso, o novo governo não poderá baixar decretos à revelia da vontade da maioria da população. Ninguém pode, por exemplo, ir contra a natureza laica do Estado. A agenda conservadora responde a um perfil ideológico de uma parcela da sociedade, mas não dá conta de toda população que tem um perfil muito diversificado no Brasil. A população brasileira é muito conservadora em alguns aspectos (com relação a drogas, violência, etc) e muito progressista em outros (como por exemplo homossexualidade, políticas sociais, questões raciais). É preciso saber lidar com isso, do contrário terá problemas, ainda mais um presidente que se elegeu no segundo turno com 55% dos votos e 30% de abstenção mesmo com seu concorrente associado à corrupção, crise e alta taxa de rejeição. Foi uma surpresa é ele ter ganhado a eleição, mas não o fez de modo acachapante. Existem camadas da governabilidade que precisam ser respeitadas. Inclusive a agenda econômica dele, que até o momento é bastante liberal, em boa parte é a mesma do Temer e, em alguns pontos da pauta, até da Dilma e do Lula. São reformas importantes que estão no horizonte faz tempo. Não há inovação alguma nessa parte.
Escolhas – E quanto ao cenário da inserção do Brasil no contexto das relações internacionais no novo governo?
Ricardo Sennes – Acredito que quanto à política externa o novo governo vai assumir uma postura ideológica mesmo. A própria escolha do ministro das Relações Exteriores – Ernesto Araújo – demostra isso. Já ocorre uma ideologização surpreendente na política externa brasileira, algo que eles criticam no PT, porém estão fazendo a mesma coisa, só que com o sinal invertido. Em seu discurso Ernesto diz que precisamos adotar uma posição de força e de afirmação nacional perante outros países e os acordos assinados no passado, demonstrando alinhamento com os EUA (Trump em especial) nesse sentido. No caso dos europeus, há sinais de que não haverá muito espaço para o Brasil, eles não estão achando nada razoável a postura do presidente eleito e já deixaram isso explícito. Ao passo que a China, por exemplo, mesmo com todas as declarações negativas de Bolsonaro, está aberta para possíveis parcerias e diálogo. Já na América Latina há uma política de tensão gerando rachaduras. Por exemplo, o governo privilegiou o Chile por questão ideológica ao invés de buscar uma aproximação rápida com Argentina, que tradicionalmente tem relação econômica muito mais intensa com o Brasil. Na Venezuela pode haver um campo de tensão maior, inclusive militarizado. Nossa tradição não é o conflito e sim a conciliação, precisamos ficar atentos.
O custo de sustentar o discurso conservador na política externa é muito alto. Há duas opções: ou o governo vai realmente usar isso para tensionar o debate ideológico e abrir espaço para um maior pragmatismo domesticamente; ou vai atenuar o discurso conservador para conseguir operar de um modo mais racional os temas que são importantes como o comércio, investimentos e a própria presença chinesa.
Escolhas – Uma das questões mais complicadas que é alvo de reclamação do novo governo é o que se está chamando “trava ambiental” às obras de infraestrutura. Qual a sua visão para construir um caminho onde possamos gerar um denominador comum para destravar essa agenda de infraestrutura sem que isso signifique o agravamento das tensões ambientais no país?
A questão da infraestrutura de fato é uma agenda travada. Na minha avaliação existe um desalinhamento regulatório, ou seja, as várias regulações que operam em diferentes campos da infraestrutura não convergem, não criam um espaço favorável ao investimento que seja de uma só vez eficiente do ponto vista prático da operação, do ponto de vista da alocação de recurso e do ponto de vista ambiental. Não favorece no que diz respeito ao patrimônio cultural, nem à incorporação de tecnologia. Cada uma dessas regulações dificulta brutalmente a costura de um grande projeto que contemple simultaneamente todas essas dimensões. Esse travamento, portanto, não se limita à questão ambiental, é muito mais amplo. É tarefa crucial criar um espaço de acomodação dessas várias legislações, algo fundamental para quem quer destravar a agenda de infraestrutura de modo geral. Focar apenas na área ambiental, indígena ou na questão quilombola, buscando flexibilizar essas legislações não resolve nem do ponto de vista mais conservador, nem do ponto de vista do ambiente de negócio. As empresas não precisam de menos legislação ambiental, necessitam de previsibilidade e garantias de regulações minimamente viáveis para investimentos de longo prazo com alta intensidade de capital. Se a proposta do governo for a de simplesmente flexibilizar essas regulações ambientais, é uma leitura muito parcial e tendenciosa.
Para se ter uma ideia, existe um problema muito mais antigo do Brasil que é o problema fundiário. O nosso país possui uma cultura de respeito à propriedade privada que é muito mais prejudicial à agenda de desenvolvimento em infraestrutura do que a questão ambiental. Desapropriar uma propriedade rural em benefício do bem público, comum e coletivo é praticamente impossível. Somos mais privatistas, nesse sentido, do que muitos países capitalistas exaltados pelos nossos governantes. É como se o proprietário tivesse mais direitos que a população em geral, a coletividade. Essa negociação deveria ser mais facilitada, o desalinhamento regulatório ocorre quando cada regulação visa maximizar seu objeto de regulação inviabilizando a integração de todos os outros aspectos em um projeto.
A desregulamentação em alguns casos faz sentido, a flexibilização de algumas legislações pode e deve ser feita, principalmente do ponto de vista contratual. Problemas processuais e jurídicos, questões trabalhistas, etc. são mais caros no final das contas e são impeditivos maiores do que o ambiental, por exemplo. Uma boa regulação se faz necessária. O mercado não funciona sem regras, mas com boas regras.
E – Se você citar um problema que o Brasil precisa enfrentar com seriedade, qual seria?
A taxa de investimento do Brasil hoje é de 14% a 15% do PIB, deveria estar na faixa de 25% para um país em desenvolvimento. No campo da infraestrutura o investimento deveria ser de 4% a 5%, mas no Brasil hoje estamos a 2%. Então, o problema do Brasil é o baixo investimento, que gera baixo valor agregado, baixa geração de emprego. Sem um dinamismo econômico mínimo, todo o resto se perde. Nada é sustentável em médio prazo em uma sociedade onde predomina a desigualdade social e não tem crescimento econômico. Nenhuma regra civilizatória sobrevive em um ambiente de carestia permanente.
Escolhas – E como destravar isso?
Ricardo Sennes – Precisamos criar um ambiente favorável para empreender no país, não apenas do ponto de vista do empreendedorismo empresarial, mas todo empreendedorismo, seja ele um projeto cultural, um pequeno negócio, uma associação de mulheres costureiras, uma fazenda de ostras, um projeto de inovação científica, uma ONG. Logo, estamos falando de um problema muito mais amplo.
Escolhas – Você está otimista com o futuro do país?
Com o Brasil eu sou muito otimista, mas acredito que vamos passar por períodos complicados. Acho que a sociedade brasileira, se você olhar nos últimos 25 anos pós ditadura, avançou bastante em muitas áreas. Tanto do ponto de vista institucional, dos direitos adquiridos, das liberdades individuais, da solidificação do Ministério Público por exemplo e também do ponto de vista socioeconômico. Melhoramos substancialmente, com destaque para a renda dessa grande classe média baixa urbana. Mas regredimos em algumas áreas, temos o colapso da educação, da segurança pública e das contas públicas. No saldo final, o Brasil mais acertou do que errou. A longo prazo eu sou otimista.
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