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Entrevistas
Por Instituto Escolhas
17 julho 2020
9 min de leitura
ENTREVISTA DO MÊS- Joaquim Levy: Os mercados começam a reprecificar os riscos ambientais e a realocarem o capital
Joaquim Levy afirma que a transparência é fundamental para avançar a agenda ambiental e que a intensificação da lavoura-pecuária resultaria em mais lucro, solos com mais carbono orgânico e animais de maior valor
Doutor em economia pela Universidade de Chicago, Joaquim Levy estudou tecnologias sustentáveis e transição de economia de baixo carbono enquanto pesquisador (fellow) no centro Steyer-Taylor na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Desde que saiu da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) há um ano, o também ex-ministro da Economia tem estudado, com mais profundidade, as relações intrínsecas entre o mundo da economia e do meio ambiente.
Nesta entrevista ao Instituto Escolhas ele reflete sobre como o agronegócio depende do meio ambiente para prosperar e como o Brasil precisa ser transparente com os seus dados ambientais, até por demanda dos compradores e investidores internacionais. Ele também fala sobre como o Brasil pode caminhar pela Bioeconomia. Em sua visão, uma economia de baixo carbono pode contribuir para reduzir as desigualdades sociais e melhorar as condições de vida da população.
Instituto Escolhas – Qual a maior dificuldade para a agenda ambiental avançar?
Joaquim Levy – O reconhecimento da importância da sustentabilidade vem crescendo, até pelo risco de aquecimento global. Apesar desse aquecimento ser mais discutido nos países do hemisfério Norte, ele afetará principalmente áreas tropicais, como o Brasil e notadamente a Amazônia. Há evidências de que isso poderia alterar substancialmente o clima no Brasil em um período não muito longo, provavelmente quando as crianças de hoje estiverem entrando na força de trabalho. Na medida em que as implicações do desmatamento e do clima ficam claras, empresários vão alterando sua avaliação de riscos e decisões de investimento. Esse é aliás um fenômeno internacional, os mercados começam a reprecificar os riscos ambientais e com isso a realocarem o capital. O país que não se der conta disso pode ficar para trás. E transparência é bom, porque os dados que você não divulga, outros vão divulgar e precificar seus ativos sem você ter poder de interferir.
Escolhas – Há uma concepção de que o cuidado com o ambiente trava o desenvolvimento. O meio ambiente ou os direitos de populações indígenas, comunidades ribeirinhas entre outras dificultam a ampliação da infraestrutura no Brasil?
Levy – Em muitos países o dilema desenvolvimento versus preservação é agudo. O Brasil tem a felicidade de não depender, por exemplo, do carvão para sua eletricidade e indústria ou para o aquecimento em um inverno gelado. Então, temos mais graus de liberdade do que algumas grandes economias. Essas economias terão que fazer um esforço extra para diminuir sua dependência do carvão, inclusive encontrando novas oportunidades de trabalho para milhões de pessoas que dependem direta ou indiretamente do combustível fóssil. Aqui, um componente chave da infraestrutura – que é a energia – tem como ser tratado de maneira sustentável, respeitando os requisitos para licenciamento ambiental e com poucas emissões. O G20 tem alertado como a avaliação do impacto ambiental precoce e a consulta a quem vai ser afetado por projetos melhoram a qualidade do investimento.
Escolhas – Nesse momento de crise, o agronegócio tem tido um bom desempenho. Há outros setores que podem ajudar na retomada da economia e serem sustentáveis?
Levy – O agro está no coração da nossa economia e depende da preservação ambiental, como os produtores já estão entendendo. A umidade da Amazônia ou da floresta vizinha é indispensável para se ter duas safras sem irrigação artificial. A ministra da Agricultura [Tereza Cristina] tem se empenhado em promover a sustentabilidade, inclusive por meio de mudanças no crédito rural. E hoje quase 20% da produção de soja vira biodiesel, diminuindo a emissão de CO2 e enriquecendo o produtor rural. Olhando para a frente, há muitas possibilidades na digitalização da economia, como se vê com o crescimento do e-commerce, medicina e educação a distância. Essa nova economia é de baixo carbono e traz um ganho de produtividade que temos que estimular, aproveitar e repartir, sem prejuízo de também apoiar a produção industrial. A base disso tudo é a educação, onde é possível ter grandes melhoras. Tecnologias digitais, por exemplo, permitem testes universais e frequentes para identificar onde os alunos estão com dificuldades. Junto com ações em favor do aluno para remediar os problemas encontrados, eles podem ajudar a nova geração a saber ainda mais, semeando a competitividade futura do país.
Escolhas -Qual sua visão da situação atual da economia e do investimento externo?
Levy – Na ausência da covid-19, o Brasil estava caminhando para, no mínimo, uma recuperação cíclica, já tendo revertido os excessos verificados de 2010 até 2014. Não foi fácil, mas a inflação está baixa, a balança comercial positiva, e o país entende a importância de controlar a situação fiscal, o que facilitou ao Banco Central baixar os juros ao ver a economia abaixo do seu potencial. A queda dos juros cria uma nova dinâmica para o poupador, que aceita tomar um pouco mais de risco e investir no setor privado. Para aproveitar essa situação precisamos de oportunidades de investimento. A reforma do saneamento pode, por exemplo, ajudar nesse processo, facilitando novos investimentos, diminuindo a poluição e melhorando a saúde da população. Promover a construção civil sustentável, inclusive com maior uso da madeira cultivada ou certificada, também criaria emprego rapidamente e aumentaria o patrimônio da população. Já pensou fazer nossa poupança trabalhar e atrair a poupança externa para bons projetos em infraestrutura, na indústria e em atividades sustentáveis em geral?
Escolhas -O Brasil tem grandes reservas de gás natural, que é visto como um combustível de transição porque menos poluente que o carvão. Qual o papel que essas reservas podem ter na nossa economia? A importação de gás seria a melhor opção?
Levy – O gás natural pode ter um papel mais importante no Brasil, especialmente através da geração elétrica offshore com a captura do CO2 pela sua injeção nos campos de petróleo. Esse modelo é ideal para o Brasil, onde o gás em geral é associado ao petróleo. Nesse caso, a injeção do CO2 aumenta a produtividade dos campos e torna a energia limpa, ajudando o gás natural a ser competitivo no longo prazo. A produção offshore também desafoga os gasodutos, permitindo outros consumidores serem atendidos. Aliás, o trabalho do ministério de Minas e Energia, da ANP [Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis] e do CADE [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] para abrir os gasodutos, aumentando sua capacidade disponível, é muito positivo para aumentar a eficiência do setor e a demanda por gás natural. O gás natural mais barato criaria empregos, podendo substituir o carvão importado na siderurgia e reduzir as emissões de CO2. Comprimido, ele poderia substituir parte do diesel importado. O gás pode ainda aumentar a segurança da nossa agricultura – hoje muito dependente de fertilizantes importados. Não há nada de mal em importar, inclusive gás natural liquefeito. Mas temos bilhões de metros cúbicos disponíveis no nosso litoral, e a covid-19 mostrou que as cadeias de suprimento externas podem trazer riscos em uma emergência.
Escolhas – O Escolhas fez um estudo sobre como o Brasil poderia cumprir sua meta de recuperação de 12 milhões de hectares de florestas. Qual a sua avaliação dessa estratégia com respeito a geração de emprego, em especial para quem vive na Amazônia?
Levy – Eu tive a honra de participar na formulação das nossas metas para o Acordo de Paris, em 2015, com a ministra [do Meio Ambiente] Izabella [Teixeira]. Sempre acreditei na regeneração natural, porque ela já funcionou em países em que a economia deixou de pressionar a floresta, pela redução do uso da lenha ou pela mecanização da agricultura que prefere áreas planas. A regeneração natural assistida pode trazer de volta dois milhões ou mais de hectares na floresta atlântica, inclusive em áreas sofridas como o norte capixaba. Para ela ocorrer na Amazônia há que haver uma intensificação da pecuária tanto lá e especialmente no Cerrado, para permitir crescimento da agricultura em antigas pastagens ao invés de em terras novas. Isso é viável, segundo um bom número de especialistas que consideram que melhorar as pastagens e integrar a pecuária à agricultura e à floresta já é rentável. Conversando com produtores rurais, ouço com frequência que em um sistema de rodízio dá para ter pasto entre duas safras, com o gado sendo a seguir confinado e alimentado com tortas e outros produtos da própria safra para um acabamento ótimo. A intensificação da lavoura-pecuária resultaria então em mais lucro, solos com mais carbono orgânico e animais de maior valor. Muitos analistas afirmam que aumentar o crédito para essa transição, incluindo para o produtor pequeno e médio, poderia trazer uma revolução na nossa agricultura, com grande impacto no mercado mundial. No caso da Amazônia, essa integração envolveria culturas permanentes e a recuperação da floresta nos pastos liberados. Quem vai, por exemplo, a São Félix do Xingu [no Pará] já vê em algumas propriedades a regeneração natural da floresta em áreas liberadas pela melhora da pastagem e intensificação da pecuária, além da expansão do cacau e do açaí. Inibido o desmatamento, a regeneração natural, às vezes assistida, pode mudar a paisagem do país em 20 anos. E até aumentar a produção de madeira nativa, algo que não escapou a investidores de longo prazo.
Escolhas – Muito se fala sobre as oportunidades na área da Bioeconomia, inclusive como fronteira tecnológica de desenvolvimento. Qual o lugar da Bioeconomia no Brasil?
Levy – Estudando o assunto, encontro indicações de que a Bioeconomia é baseada no conhecimento. O papel das universidades e centros de pesquisa, especialmente na Amazônia, deve ser, portanto, central para seu sucesso. Pessoas que respeito muito notam que a Bioeconomia pode focar não só na vacina contra alguns vírus ou em outros campos de vanguarda, mas também em encontrar novos usos comerciais para fibras, madeira e outros produtos da natureza. Ou em baixar o custo do querosene de aviação produzido a partir do óleo de dendê em áreas de antropização antiga, o que pode gerar milhões em renda para pequenos agricultores. A impressão é que é uma estratégia que não se improvisa, mas que pode dar bons resultados no longo prazo.
Escolhas – Como você analisa a economia de baixo carbono em um mundo que tem muita desigualdade?
Levy – O baixo carbono e as soluções baseadas na natureza podem ajudar a diminuir a desigualdade quando são mais eficiente e produtivo do que os métodos tradicionais. Na Europa ou na Ásia, por exemplo, o baixo carbono está no transporte público eletrificado e sobre trilhos. Aqui, ônibus elétricos – quando seu preço abaixar um pouco mais – ajudarão a diminuir as doenças respiratórias, favorecendo a população de baixa renda. Melhorar o saneamento, inclusive no caso dos resíduos sólidos ou usando eletrólise para tratar o esgoto residencial, é baixo carbono e socialmente vantajoso. A regeneração assistida e a agricultura de paisagem podem criar bastante emprego para quem vive na Amazônia. Seria ótimo tudo isso ser mais pesquisado no Brasil, para orientar o governo e investidores.
Escolhas – A pandemia da covid-19 muda esse raciocínio?
Levy – Ela cria desafios, por exemplo no transporte público. E apesar do heroísmo dos profissionais de saúde e da ação dos governos com pacotes de estímulo, seu custo humano e econômico é muito grande. Mas há países em que a resposta tem sido um esforço para canalizar os estímulos fiscais em atividades que gerem o máximo de emprego e ajudem a descarbonizar a economia. A Europa que já tinha planos de descarbonização saiu na frente – o importante lá será que o preço da energia não suba muito. No Brasil, a agenda da recuperação atenta ao clima e às pessoas pode avançar com o envolvimento do setor privado, já que muitas empresas têm afirmado de público seu apoio à sustentabilidade e à economia circular, onde os produtos são reciclados ao invés de descartados. O setor financeiro está olhando com atenção. Orientar nossa poupança no ambiente de juros baixos para apoiar investimentos social e ambientalmente sustentáveis aceleraria a criação de empregos, com a vantagem de produzir ativos que gerariam benefícios para o país por muitos anos.
Entrevista publicada em 03/07/2020
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