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Bioeconomia
Notícias
Por Instituto Escolhas
17 junho 2025
3 min de leitura
O Nordeste não pode virar deserto

Por Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas*
Nordeste, que sempre viveu o drama da seca, agora enfrenta uma ameaça ainda maior: a da desertificação. Anos chuvosos, seguidos por períodos de seca, marcam a história da região e são uma condição do ambiente vulnerável da Caatinga, bioma que predomina na maior parte de seu território. Essa condição, a partir da segunda metade do século 19, teve os seus efeitos climáticos potencializados por conta de aspectos econômicos e sociais.
Após três décadas de chuvas promissoras, o Nordeste enfrentou uma seca que se estendeu de 1877 a 1879, na qual morreram 500 mil pessoas de fome, com o desaparecimento de mais da metade do rebanho bovino e a falência da economia das charqueadas que ali floresciam. Antes de 1877, existiam nas áreas mais úmidas do Nordeste terras públicas que eram utilizadas para receber homens e gado fugindo da seca que, com a volta das chuvas, retornavam aos locais de onde vieram.
Isso muda com a necessidade de terras para a expansão do cultivo do algodão, impulsionada pelo aumento do seu preço e a abertura de novos mercados, como o europeu, em decorrência da guerra civil americana, que afetou a produção que era feita no sul dos Estados Unidos. Ao lado disso, a Lei de Terras de 1850 permitiu que as terras públicas fossem tituladas em nome de particulares. O que podia ser acessado livremente passou a ter dono, bloqueando o uso das áreas mais úmidas para refúgio nos períodos de estiagem.
A última grande seca com sérias repercussões sociais durou de 1979 a 1983. De lá para cá, graças aos programas que transferem renda para as populações vulneráveis — só o Bolsa Família conta com mais de 9 milhões de beneficiários no Nordeste —, a seca, felizmente, já não mata mais ninguém de fome.
Mas as condições ambientais do Nordeste — por conta do desmatamento da Caatinga e da contínua degradação da flora, água e solo do bioma, já perdeu 43% da sua vegetação —, continuam extremamente desafiadoras, ainda mais quando se trata da ocorrência das chuvas.
A degradação das terras nas zonas semiáridas, transformando-as em áridas, acontece quando a chuva que cai sobre uma região não consegue mais repor a quantidade de água que evapora da superfície, gerando um deficit hídrico. É o que leva à desertificação. Quarenta por cento da extensão da Caatinga encontra-se sob risco de virar deserto se nada for feito para estancar o exaurimento dos seus recursos.
Uma triste amostra disso foi dada por estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais(Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de 2023, que identificou a primeira região de clima árido no Brasil, localizada no município baiano de Chorrochó.
Diante de uma ameaça tão grave como a da desertificação, que pode inviabilizar a vida e o desenvolvimento de atividades econômicas onde moram 32 milhões de pessoas, é preciso pensar que, se isso ocorrer, será por nossa única e exclusiva responsabilidade, não cabendo aqui culpar a natureza por esse infortúnio, como fazemos com a seca.
Como diz a Convenção da ONU sobre o Combate à Desertificação, da qual o Brasil é signatário, é preciso uma “abordagem nova e mais eficaz” para lidar com o problema. Para tanto, é urgente a mobilização de recursos financeiros que viabilizem a recuperação da vegetação que foi desmatada, assim como dos solos degradados, o que deve ser priorizado como um objetivo estratégico de ação governamental, ao lado das iniciativas para controlar a derrubada da Caatinga.
Temos muito o que fazer para dar conta disso. Por exemplo, apenas 10% da área da Caatinga está protegida por unidades de conservação. O Marco Global da Biodiversidade recomenda ao menos 30%. O pior é que somente 2% está protegida por unidades de conservação de proteção integral, onde não é possível cortar nem uma árvore sequer.
17 de junho é o Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificação. Momento oportuno para que o Brasil tome consciência da urgência de cuidar da Caatinga, evitando que uma das regiões mais populosas do país se inviabilize por conta de questões climáticas e ambientais. O Nordeste não pode virar deserto.
*Publicado originalmente no Jornal Correio Braziliense.
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