Morar Longe: Minha Casa Minha Vida e a expansão das Metrópoles

Seminário do Instituto Escolhas apresenta estudo inédito com críticas e sugestões ao maior programa de habitação já realizado no Brasil

 

O programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) foi tema do mais recente estudo do Instituto Escolhas lançado nesta terça (22/01) no seminário Moradia e Expansão das Metrópoles Brasileiras realizado no Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (CEPESP/EAESP/EESP) em São Paulo. Profissionais da área de economia, arquitetura e urbanismo estiveram presentes para debater a pesquisa “Morar Longe: o Programa Minha Casa Minha Vida e a expansão das Regiões Metropolitanas” e também conhecer a mais nova plataforma da organização #QuantoÉ Morar Longe, lançada na mesma ocasião. Para Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, o estudo contribui para fazer uma reflexão sobre quais serão os rumos da política habitacional no Brasil nos próximos anos. “A nossa proposta foi levantar dados que mostrassem em que o MCMV acertou e no que ele pode melhorar, pois é sabido que ele contribuiu para a expansão da mancha urbana nas grandes metrópoles analisadas, algo que gera também outros problemas como a falta de serviços básicos para a população”, afirmou.

Maria Aline Setubal fala sobre a importância da geração de dados para pautar políticas públicas

Maria Alice Setubal fala sobre a importância da geração de dados para pautar políticas públicas

A abertura do Seminário contou com a presença de representantes das organizações parceiras como a Fundação Tide Setubal, na figura de Maria Alice Setubal; Ciro Biderman da Fundação Getúlio Vargas e Murilo Bussab da Folha de S.Paulo. Para Maria Alice, o tema da moradia no contexto das grandes cidades é relevante na busca para gerar bem estar e vida digna para as pessoas. “Ainda mais em um contexto atual onde temos visto o descrédito total para pesquisas de base científica que evidenciam os quadros sociais mais agravantes que temos no país hoje. O conhecimento com base em dados reais deve sim amparar as decisões de políticas públicas”, disse ela.

A pesquisadora Martha Hiromoto, economista doutora em administração pública e pesquisadora associada do estudo, afirmou que nos municípios onde tem mais ocorrência do MCMV, a tendência que se observou é que além de o programa não preencher os espaços urbanos, ele tende a saltar mais a mancha urbana. “Isso faz com que os municípios não aproveitem as suas áreas urbanizadas de modo a proporcionar inclusão social para as famílias de baixa renda. As Regiões de São Luís (MA) e Belo Horizonte (MG) são exemplos disso, onde as unidades do programa estão localizadas mais na borda do limite urbano, fora da mancha”, explicou.

Já Vitória (ES) é um exemplo de crescimento natural e isso ocorre porque, segundo Hiromoto, cidades litorâneas do Sudeste, pelo fato de terem mar de um lado e continente do outro, têm um salto urbano menor em função da geografia. Mas será que o preço da terra tem alguma relação com isso? Quanto mais à margem mais barata é a terra a ser construída. “A miopia para se economizar no preço da terra gera um custo maior para os cofres públicos a longo prazo, uma conta que não é fácil de ser feita, mas o impacto na qualidade de vida e na saúde dos cidadãos é grande, o custo da infraestrutura que deve ser criada para prover as famílias de serviços básicos também. Logo, sai mais caro”, afirmou.

Ciro Biderman apresenta os resultados da pesquisa

Ciro Biderman apresenta os resultados da pesquisa

O professor Ciro Biderman, da FGV, destacou que o estudo é focado na Faixa 1, com famílias que possuem até 3 salários mínimos como renda. Além disso, a pesquisa tem diversas abordagens e, inclusive, levanta comparações com outros programas habitacionais de países como México e Chile. “O mercado de terras no Brasil tem muitas imperfeições e induz a pessoa a morar mais longe, porém não se leva em consideração as externalidades que isso acarreta como a falta de saneamento, os problemas de saúde e mobilidade e os custos dessa decisão. “Se a intenção era tirar essas pessoas da precariedade e trazê-las para perto, no intuito de incluí-las com cidadania, aparentemente não foi isso que aconteceu”, afirmou.

Na escala macro, Ciro explicou ainda que as metrópoles que fizeram menos unidades do programa, construíram conjuntos melhores. Na escala micro, os conjuntos com muitas unidades habitacionais acabaram virando guetos. “Nunca se pensou em uma política fundiária para realmente resolver o problema da moradia no Brasil. Essa foi uma tentativa. Mas devemos nos perguntar se é provável que uma criança moradora do MCMV viva melhor que seu pai no futuro. Será?”, pergunta ele.

 

Quais os impactos do programa nas regiões metropolitanas brasileiras?

Apesar dos avanços na tentativa de resolver a questão da habitação nas grandes metrópoles brasileiras, o MCMV foi insuficiente. De acordo com Eduardo Zylberstajn, engenheiro e doutor em economia, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe/USP), cada vez mais há evidências de que o tipo de moradia que uma criança tem impacta o seu desenvolvimento pessoal e sua construção social para a vida adulta. “É uma questão moral e econômica nos preocupar com isso e por mais boas intenções que tenham as políticas públicas, o custo econômico delas contam. O MCMV tem méritos, mas para algumas cidades ele não foi adequado e nesse sentido o adensamento pode ser uma boa saída”, afirmou.

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Para a arquiteta e urbanista Luciana Royer, que é professora do Grupo de Disciplinas de Planejamento Urbano da FAU-USP, não devemos apontar erros ou culpados, pois isso não nos ajuda a pensar a questão de habitação social no Brasil. O fato é que o MCMV criou um sistema financeiro que atingiu pela primeira vez, desde 1964, famílias de baixa renda, algo grandioso e inédito no país. “O problema habitacional no Brasil é um problema de terra e de crédito, são questões da política fundiária e da política urbana. O programa é bem sucedido em conseguir articular recursos vindo de FGTS e criar desenhos de subsídios, tentando conectar diferentes agentes públicos”, ressaltou. E quem são esses agentes? A professora explica que quem define o uso e a ocupação do solo é o município via lei de zoneamento do Plano Diretor, já quem cuida dos cartórios e da titularização das terras é o agente estadual, submetidos ao poder Judiciário. Ao passo que a política de crédito é nacional. “São entendimentos que precisamos ter para interferir bem nos resultados do MCMV, além disso, a disparidade econômica entre os municípios é grande, sem falar na questão da condominialização da vida, quando você tem um loteamento que é de responsabilidade dos condôminos realizar a gestão, algo do âmbito privado, o que eleva o custo mensal da habitação, já o desenho urbano de habitação social difere da ideia de condomínio fechado, com muros e cercas que promove essa guetificação”, afirma.

O economista Renato Lomonaco, representante da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), reafirmou a importância do programa citando dados econômicos do MCMV, que construiu quase 5 milhões de habitações desde 2009, gerou mais de 400 bilhões de crédito a partir dele e cerca de 1,3 milhões de empregos por ano na média. “Se pensarmos que temos hoje um déficit habitacional de 7,8 milhões de famílias, a importância do programa é enorme, é muita casa para ser construída, mas precisamos fazer ajustes. Talvez a Faixa 1 não tenha sido a melhor escolha, pois ela consumiu muito dinheiro fiscal não só do FGTS, um fundo que está muito comprometido hoje em dia, tendo sido liberado para outros fins que não a habitação pelos últimos governos”, explicou. Como sugestão, Lomonaco aponta a construção de conjuntos menores e mais sustentáveis. De acordo com ele, a questão do crédito é ponto de maior atenção no setor habitacional, pois precisamos de três vezes mais o valor que tem sido contratado hoje que é de 100 bilhões. “O programa é vital para o Brasil, mas precisamos realizá-lo consumindo o mínimo de recursos da União, algo que poderia ser feito pela Faixa 2 ou Faixa 3”, disse.

Eduardo Zylberstajn defende o aluguel social como alternativa ao MCMV

Eduardo Zylberstajn defende o aluguel social como alternativa ao MCMV

O aluguel social surge como outra sugestão de melhoria para resolver a falta de habitação. Eduardo Zylberstajn destacou o apego do brasileiro à casa própria enquanto propriedade. Essa valorização da propriedade por um lado é boa porque gera pertencimento ao bairro, à comunidade, faz com que as pessoas queiram cuidar mais da sua região, mas por outro lado, as opções de trabalho para essas pessoas se reduzem visto que estão presas a um imóvel/localidade. “Aluguel não é bem visto no Brasil, mas há programas em outros países onde o aluguel social existe e foi bem implantado com um gasto financeiro de até 30% da renda da família e o excedente disso o governo fornece um voucher para completar o custo de sua moradia. É possível viabilizar via recurso público e subsídios e talvez seja um bom caminho para suprir as demandas onde o MCMV não foi suficiente”, concluiu.

 

É possível adensar as grandes metrópoles brasileiras?

A construção de moradias sociais nos grandes centros metropolitanos, aproveitando os espaços vazios e edificações ociosas, é uma forma de revitalizar as áreas centrais, gerar comércio local, incentivar a convivência cidadã, lazer e cultura, bem como facilitar não só a criação de novos empregos, como também possibilidade de maior acesso da população às oportunidades de trabalho já existentes. O adensamento das grandes metrópoles foi debatido por pesquisadores e políticos na última mesa do Seminário Moradia e Expansão das Metrópoles e destacou-se que o conceito não é compreendido em sua totalidade pelo senso comum da população.

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Bruno Araújo, ex Ministro das Cidades do governo Temer, fala sobre as dificuldades da gestão habitacional

Bruno Araújo, advogado, dep. Federal licenciado e ex – Ministro de Estado das Cidades no Governo Temer (2016/2017), disse que o grande problema é onde e como implantar o MCMV, pois financeiramente o programa foi criativo na utilização do FGTS para financiar a Faixa 1, além de delimitar os conjuntos em até 500 unidades. “A questão é que a Caixa Econômica pensa como banco, não como urbanista. Além disso, não se conhecia os critérios de escolhas das famílias beneficiadas e houve muitos problemas na fiscalização do uso dos imóveis fornecidos, gente que alugava de modo irregular ou vendia antes do tempo, ou pessoas que de fato não eram pobres, então o aluguel social pode ser uma boa alternativa via Parceria Público Privada (PPP)”, afirmou.

A recusa ao adensamento por parte de boa parte da população se dá pelo fato de que existe uma construção social de repúdio ao pobre já bastante arraigada no Brasil de acordo com Sergio Leitão, Dir. Executivo do Instituto Escolhas. “Embora todos saibamos que a desigualdade social no Brasil deva ser combatida, ninguém quer um conjunto habitacional perto de sua casa, um prédio fazendo sombra na sua piscina, ou que vá desvalorizar os apartamentos de uma determinada região da cidade”, disse ao explicar as dificuldades de aplicar o adensamento.

Philip Yang, ex- Diplomata (1992/2002) e fundador da URBEM, instituição dedicada à estruturação de projetos urbanos comentou que trata-se de um problema de natureza social, portanto, com consequências econômicas que impede o crescimento do país. Com isso, o trabalhador dorme cada vez menos tempo por noite, passando de 2h a 3h no trânsito, implicando na saúde pública e na produtividade geral do país. Há muitas resistências em mudar o status social no Brasil porque há interesses por trás dessa cultura distópica”, explicou Yang, que destacou ainda que precisamos focar no aprimoramento dos marcos regulatórios das cidades, como, por exemplo, o Plano Diretor de São Paulo e a lei de zoneamento, que possibilitam o adensamento com propostas da sociedade civil sob o comando da prefeitura.

Philip Yang aponta os motivos da recusa do adensamento nas cidades

Philip Yang aponta os motivos da recusa do adensamento nas cidades

Já Tatiane Menezes, professora do Dep. de Economia da UFPE, mostrou em sua fala a importância do planejamento urbano para a realização do adensamento apresentando o caso de Recife. De acordo com ela adensar diminui o preço do metro quadrado dos imóveis, possibilitando um número maior de pessoas com acesso à moradia. “Adensar é mais democrático e mais barato, pois aproveita a estrutura urbana que já existe naquele local, ao passo que quando ocorre o espraiamento das cidades o pobre vai sendo empurrado cada vez mais para longe sem nenhum acesso a serviços básicos. Porém, há pontos negativos também, pois um prédio de 40 andares reúne em si muito concreto armado que esquenta demais a temperatura das cidades, além disso as vias públicas ficam saturadas, há muita demanda para serviços como esgotamento, água, luz. Logo, antes de adensar é preciso planejar bem e observar as margens dos rios, a ventilação natural, o clima, garantir a mobilidade da população e conservar a estrutura e não é o mercado imobiliário que vai fazer isso, mas sim o poder público com intervenções necessárias”, explicou.

Tatiane Menezes, da UFPE, apresenta dados de Recife sobre adensamento

Tatiane Menezes, da UFPE, apresenta dados de Recife sobre adensamento

É inegável a importância do MCMV para tentar sanar o problema do déficit habitacional no Brasil. É o maior programa de habitação já implantado até então, construiu desde que foi lançado (2009) até o ano de 2016 4,4 milhões de casas em 5.563 cidades em todo país com investimentos que giram em torno de 319 bilhões. O sumário e o estudo completo já está disponível aqui no site do Escolhas.

Leia também sobre a plataforma #QuantoÉ? Morar Longe

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