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Por Instituto Escolhas

16 maio 2025

7 min de leitura

Minerais estratégicos: para evitar erros do passado, exploração precisa de rigorosos critérios de responsabilidade socioambiental

Foto: Ton Molina

A transição energética, com a substituição de combustíveis fósseis por fontes limpas e renováveis, demandará o uso de minerais como lítio, níquel, cobalto e grafite para a fabricação de carros elétricos, aerogeradores, painéis solares e redes de distribuição de energia.

Com reservas de minerais críticos e estratégicos, o Brasil está em posição privilegiada para atender à demanda global, o que fortalecerá o setor e alavancará a economia do país. Mas o que fazer para que isso aconteça de forma sustentável sem que o país corra o risco de repetir – ou até aprofundar – erros do passado na exploração dos seus minérios?

Para responder a essa questão, o Instituto Escolhas e o jornal Correio Braziliense reuniram na última terça-feira (13), em Brasília, representantes do Executivo, do Legislativo, do setor mineral e da sociedade civil no debate Os desafios da agenda de minerais estratégicos para o Brasil.

Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, afirmou que o atendimento da demanda internacional precisa ser feito com responsabilidade social e ambiental. “No Brasil, partimos de um histórico muito negativo e um legado ambiental e social muito ruim no setor de mineração, o que precisa ser falado e não pode ser ignorado”, disse.

A pesquisadora defendeu a necessidade de uma regulação que “apazigue” interesses conflitantes no setor. Na sua visão, são necessários três instrumentos principais. O primeiro são garantias financeiras que permitam a recuperação de minas abandonadas, custos que serão pagos “por quem de direito”, não pela sociedade. Segundo estudo do Instituto Escolhas, baseado em dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), 3.943 minas autorizadas no país têm indícios de abandono, com prejuízos à vegetação nativa, à qualidade do solo e das águas e à estabilidade física e química das regiões.

Larissa Rodrigues defendeu também a criação de mecanismos que garantam a rastreabilidade dos minerais, “de forma ampla”, o que trará transparência para o setor. “A transparência não é colocar um telhado de vidro no setor. É a chance de mostrar as coisas que estão sendo feitas de forma correta e encarar de frente o que não está sendo feito e precisa ser feito”.

Afirmou ainda ser necessário fazer “um bom debate” sobre licenciamento ambiental. “Licenciamento ambiental forte e agências ambientais fortes trazem segurança jurídica e diminuem os conflitos.” Criticou o posicionamento de alguns atores do setor que usam agências sucateadas como argumento contra a fiscalização. “Vira o discurso fácil de dizer ‘isso não funciona’, isso atrapalha o investimento, vamos acabar com isso. Não! Isso não vai trazer a segurança que todos os players precisam”, disse Larissa, que criticou os “problemas” existentes no projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em tramitação no Senado.

Os participantes concordaram que a COP 30, que será realizada em novembro em Belém (PA), representa uma oportunidade estratégica para o Brasil. “O mundo estará olhando para a Amazônia. Os minerais críticos da transição energética serão centrais nas discussões climáticas”, afirmou Fernando Azevedo, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Para o dirigente do Ibram, o país tem todas as condições de estar na linha de frente da transição energética, já que 14 dos 17 minerais críticos e estratégicos estão presentes no subsolo brasileiro. “Nós temos um potencial para liderar globalmente isso. Oportunidade geopolítica e econômica.”

Rodrigo Cota, diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral do Ministério de Minas e Energia, destacou as oportunidades que estão abertas para o Brasil em um mercado em que o refino está concentrado na China. “Em 2030, a China deverá controlar 93% do refino do grafite, 74% do cobalto, 65% do níquel e 46% do cobre. Isso preocupa os países ocidentais, que buscam alternativas. O Brasil pode preencher esse espaço com soberania e responsabilidade”, afirmou. Lembrou que o território brasileiro possui reservas de todos os elementos necessários para a fabricação de baterias, um dos pilares da transição energética.

Ricardo Sennes, diretor-executivo da Prospectiva Public Affairs Lat.Am, afirmou que o sucesso da exploração dos minerais críticos e estratégicos depende de um tripé que envolve, além da regulação e viabilidade econômica, a necessidade de uma diplomacia estratégica,  que “não é comum”.

“Não vamos vender e conseguir nos inserir nesse mercado de mineral crítico como a gente se insere, talvez, no mercado de commodities, agrícola, por exemplo. Vai ter que ter acordo de fornecimento, de transmissão, de cooperação tecnológica. São questões que têm muito conflito. E a gente vai ter que saber navegar nesse conflito.”

O deputado Zé Silva (Solidariedade-MG) lamentou que o Congresso tenha deixado de ser um espaço para a construção de uma regulação que impulsione a agenda dos minerais críticos e estratégicos. “Se o Brasil não sair dessa polarização, com interesses pessoais, aquela arena do Congresso deixa de ser espaço de construção para virar apenas campo de embate político”, afirmou o deputado, autor de projeto de lei que institui a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos.

 

Ouro ilegal

Se a primeira mesa do debate no Correio Braziliense focou nas oportunidades abertas pelo mercado global de minerais críticos e estratégicos e os desafios colocados para os atores brasileiros do setor, o segundo painel discutiu o combate à extração ilegal de ouro e a necessidade da rastreabilidade do metal.

A ilegalidade no setor, há poucos anos tratada apenas sob os aspectos ambiental ou humanitário, se tornou um tema de segurança pública. “Hoje, 80% do ouro produzido no Brasil vai para o mercado paralelo. E 80% vão para o crime organizado”, afirmou Frederico Bedran, presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB-DF. “O chamado narco-garimpo é uma realidade.”

Marivaldo Pereira, secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, destacou que o descontrole do setor prejudica os empreendimentos legais: “Como as empresas que agem dentro das regras vão competir com o crime organizado?”.

Os participantes concordaram com a necessidade de fortalecer os órgãos reguladores para o combate ao crime no setor. A Agência Nacional de Mineração (ANM) conta com 140 fiscais para monitorar mais de 40 mil lavras em todo o Brasil. Apenas três servidores fiscalizam a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem). “Não vamos dar conta dessas mazelas com a estrutura atual. Temos que buscar soluções conjuntamente”, afirmou Mauro Henrique Sousa, diretor-geral da ANM.

Larissa Rodrigues destacou dois avanços recentes no combate à extração ilegal de ouro. Um deles foi a decisão da Receita Federal, em março de 2023, de tornar obrigatória a apresentação de nota fiscal eletrônica no comércio do metal. Outro capítulo decisivo, com enorme impacto no setor, foi a suspensão do instituto de boa-fé pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2023 – pelo mecanismo, bastava o vendedor dizer que o ouro era legal, mesmo que não fosse, para escapar de uma futura punição. Em março de 2025, o STF, por unanimidade, decidiu pelo fim definitivo da boa-fé no comércio do ouro.

A combinação da nota fiscal eletrônica e da suspensão da boa-fé gerou “efeitos muito grandes no segundo semestre de 2023”, lembrou a pesquisadora. Logo após as medidas, houve uma queda de 45% na produção de ouro oficialmente registrada pelos garimpos na Amazônia, prova de que ilegalidade estava ocorrendo e que as medidas causaram um “chacoalhão de fato no mercado”.

“A gente tem que considerar isso uma vitória. Conseguimos em poucos meses algo que há anos era discutido e era muito difícil de avançar. E avançamos”, disse a diretora de Pesquisa do Escolhas. “A gente fechou todas as portas do ouro ilegal? Claro que não. Mas fechamos a porta da lavanderia, do ouro ilegal entrar rapidamente no mercado formal e ir para o exterior.”

Larissa Rodrigues reconheceu que é preciso avançar mais e avalia como medida fundamental dessa agenda a aprovação da rastreabilidade do ouro. O Projeto de Lei 3025/2023 prevê normas de controle da cadeia de ouro, mas enfrenta resistências dentro do Congresso.

“Nos últimos dois anos, o governo fez várias ações, apertou vários botões. Mas não foram suficientes. Vejo hoje o tema da rastreabilidade como o último botão que a gente tem que apertar para isso funcionar”, afirmou Frederico Bedran, da OAB-DF.

Além do ouro, o comércio ilegal atinge outros metais. Estudo do Instituto Escolhas divulgado em junho do ano passado estimou que, entre 2018 e 2022, 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas na produção dos garimpos no Brasil.

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Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube

CB TALKS | Os desafios da agenda de minerais estratégicos para o Brasil – Instituto Escolhas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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