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Por Instituto Escolhas

11 agosto 2025

7 min de leitura

Investigação dos EUA sobre desmatamento no Brasil: 10 pontos para entender o caso

 

Os Estados Unidos abriram uma investigação sobre o desmatamento no Brasil e outras supostas práticas abusivas que impactam o comércio americano. Segundo autoridades do país, o desmatamento ilegal aumentaria a competitividade de produtos agrícolas brasileiros no mercado local e global. A medida acompanha a tarifa de importação de 50% sobre produtos do país, em vigor desde quarta-feira, dia 6.

A seguir, você entende os motivos do pedido de investigação, como será o trâmite e quais possíveis retaliações podem ocorrer. As perguntas foram feitas pelo Instituto Escolhas para a advogada Ana Biderman Furriela, especializada em direito empresarial internacional, do escritório Furriela Advogados. Segundo ela, possíveis sanções incluem a imposição de novas tarifas aos produtos brasileiros.

 

1) Que tipo de investigação foi determinada pelo governo americano? Quanto tempo vai durar?
A chamada “Investigação 301” consiste em um tipo de investigação administrativa prevista na Lei de Comércio (Trade Act de 1974) que autoriza o Representante Norte-Americano de Comércio (US Trade Representative) a investigar práticas estrangeiras tidas como anticompetitivas e restritivas ao comércio dos EUA.

O pedido para abertura de uma investigação foi realizado em 9 de julho deste ano e a abertura oficial da investigação ocorreu em 15 de julho. O prazo para análise e realização de audiência pública é de 45 a 150 dias, sendo possível haver uma consulta com o país investigado, bem como o envio de manifestações, até 18 de agosto. A audiência pública será realizada nos dias 3 e 4 de setembro. Após a audiência pública e a análise, haverá um novo prazo para elaboração de um relatório, a chegada a conclusões e a aplicação de sanções.

A investigação poderá durar, ao todo, um ano, mas a expectativa de duração é de aproximadamente seis meses.

2) Qual o objetivo da investigação?
De forma resumida, o objetivo de uma investigação sob a Section 301 do Trade Act de 1974 é de verificar a existência de práticas abusivas por países estrangeiros que prejudicariam os EUA comercialmente. Uma leitura técnica permite inferir que a instauração da investigação tem por intuito identificar práticas pelo Brasil prejudiciais ao comércio externo norte-americano e que justificariam a adoção de medidas contrárias ao país, visando proteger os interesses comerciais dos EUA.

3) Culpar o governo brasileiro por permitir o desmatamento significa o que exatamente?
De acordo com a Section 301 do Trade Act de 1974, caso, após a investigação, sejam identificadas práticas restritivas e prejudiciais ao comércio dos EUA, o Representante Norte-Americano de Comércio poderá tomar as medidas cabíveis, sob a direção do Presidente dos EUA e dentro dos poderes detidos pelo Presidente dos EUA, para eliminar a prática estrangeira prejudicial.

Contudo, as medidas que os EUA poderão adotar, caso identifiquem práticas restritivas e prejudiciais ao comércio dos EUA, não se limitam a medidas relativas aos comércios de bens e serviços, podendo se estender a qualquer outra área pertinente para as relações entre os EUA e o Brasil.

A referida lei prevê as seguintes medidas a serem tomadas contra o país a ser sancionado: (i) suspensão, cancelamento ou prevenção da concessão de benefícios ou isenções tributárias derivados de acordos internacionais de comércio; (ii) imposição de tarifas ou outras restrições relativas à importação de bens; e (iii) a celebração de acordos visando a cessação das práticas restritivas e prejudiciais ao comércio.
Além das medidas previstas na lei norte-americana que possuem aplicabilidade internamente, os EUA, na qualidade de país membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), poderão dar início a um processo caso entenda que o Brasil violou algum acordo de comércio da OMC que tenha tanto os EUA quanto o Brasil como signatários.

Desse modo, caso a investigação conclua que o desmatamento praticado no Brasil e permitido pelo governo brasileiro afeta as relações comerciais com os EUA, poderá haver a aplicação de sanções contra o Brasil até que se entenda que a prática ofensiva tenha se encerrado.

4) A responsabilidade é do governo ou do setor privado?
Segundo a legislação aplicável à jurisdição brasileira, a responsabilidade pelo cumprimento das leis ambientais compete aos entes privados e aos públicos, cabendo apenas os deveres de fiscalização, repressão e sancionamento ao poder público.

Contudo, é preciso entender que a Investigação conduzida sob a Section 301 do Trade Act de 1974 não leva em consideração a legislação brasileira e, sim, alegadamente, as normas em vigor nos EUA aplicáveis ao comércio internacional e os acordos internacionais de comércio, dos quais os países são signatários.

Considerando que a investigação tem o Brasil como ente investigado, pode-se depreender que o Brasil, enquanto país, poderia ser responsabilizado e, portanto, seria o responsável por coibir o desmatamento ilegal. Na presente fase, ocorre apenas a investigação a fim de verificar se haveria de fato uma falha no combate ao deflorestamento ilegal pelas autoridades brasileiras como uma prática anticompetitiva, prejudicando os produtores de madeira e produtos de agricultura dos EUA.

5) O que devem dizer os representantes do governo americano?
Considerando que a investigação está sendo conduzida unilateralmente por um órgão governamental dos EUA, sujeito ao Poder Executivo, e não por um órgão independente internacional, há um alto risco de que sejam feitas interpretações subjetivas acerca das práticas das quais o Brasil é acusado, especialmente porque não existem critérios objetivos na lei norte-americana que definam o que seria considerado como uma prática comercial desleal.

6) Onde serão realizadas as audiências? Quem as conduz? São públicas? 
Segundo publicação no Diário Oficial do Governo Federal dos EUA (Federal Register), de volume nº 90, edição nº 136, de 18 de julho de 2025, a audiência será realizada no salão principal de audiências (main hearing room) da Comissão de Comércio Internacional dos EUA (US International Trade Commission), localizada em Washington, DC, capital dos EUA. A audiência será pública e terá início às 10 da manhã (horário de Washington, DC) do dia 3 de setembro de 2025. Se necessário, poderá ser estendida para o próximo dia útil, qual seja, 4 de setembro de 2025.

7) O governo brasileiro participará das audiências?
O governo brasileiro poderá submeter um pedido para participar da audiência (hearing apperance requests), assim como terceiros interessados também poderão fazê-lo, por meio do Portal de Comentários do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR Office) – Link. O prazo final para tanto é 18 de agosto de 2025, às 23h59 (horário de Washington, DC).

8) Existe uma fase de defesa para que o governo apresente suas manifestações?
De acordo com a Section 303 do Trade Act de 1974, o país investigado deverá ser consultado sobre as matérias objeto da investigação instaurada.

O governo brasileiro e eventuais terceiros interessados poderão submeter as suas manifestações também por meio do Portal de Comentários do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR Office) – Link.

Além disso, uma vez finalizada a audiência pública, o governo brasileiro poderá apresentar uma réplica (post-hearing rebuttal comments) em até 07 dias corridos contados da data de encerramento da mesma.

Cumpre ressaltar que, a qualquer momento, desde a instauração do procedimento investigativo, poderão os EUA e o Brasil chegar a um acordo mútuo que satisfaça o interesse de ambas as partes, levando ao encerramento antecipado do procedimento – independentemente de ter sido realizada a audiência.

9) As empresas interessadas podem se manifestar e apresentar documentos em defesa dos seus interesses eventualmente em debate? E os representantes da sociedade civil, podem também se manifestar e apresentar documentos?
Sim, interessados podem apresentar as suas manifestações e pedidos para testemunhar presencialmente na audiência via o Portal de Comentários do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR Office) – Link. Entre os interessados, estão empresas e representantes da sociedade civil.

10) Quais os questionamentos que o governo americano fará sobre o desmatamento no Brasil? 
Sobre o tema de desmatamento ilegal, o Representante de Comércio dos EUA destacou os seguintes assuntos como principais para manifestação dos terceiros interessados:
– Qual a extensão das leis e regulamentos brasileiros para combater efetivamente o desmatamento ilegal, o uso de terras desmatadas ilegalmente para a produção agrícola e a extração ilegal de madeira em seu território.

– Em que medida o Brasil está aplicando efetivamente as leis e regulamentos para combater o desmatamento ilegal, o uso de terras desmatadas ilegalmente para a produção agrícola e a extração ilegal de madeira em seu território.

– Em que medida os produtos agrícolas estão sendo produzidos em terras desmatadas ilegalmente e estão sendo exportados, direta ou indiretamente por meio de produtos agrícolas processados, para os Estados Unidos ou outros mercados.

– Em que medida os produtos brasileiros, incluindo madeira e móveis de madeira, estão sendo fabricados com madeira extraída ilegalmente e estão sendo exportados para os Estados Unidos ou outros mercados.

– Outros atos, políticas ou práticas do Brasil relacionados ao desmatamento ilegal que possam discriminar ou prejudicar injustamente empresas dos Estados Unidos.

Cumpre salientar, que essa lista é apenas indicativa, podendo outros tópicos relacionados serem levantados. Todos os documentos, as manifestações escritas e os testemunhos deverão ser apresentados em inglês.

 

Ana Biderman Furriela, advogada, é mestre em Direito Empresarial pela University of Cambridge (2022), mestranda em Direito Comercial pela PUC-SP (em curso) e  bacharel em Direito pela PUC-SP com menção honrosa (2020).

 

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