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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

05 junho 2018

7 min de leitura

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Entrevista do mês: Rachel Biderman

Recuperação florestal é atividade lucrativa

“A recuperação florestal é essencial para aumentar nossa capacidade de sequestrar carbono e conter as mudanças climáticas. É por isso que o WRI [World Resources Instituto, organização não governamental com sede nos Estados Unidos] elegeu esse tema como uma de suas prioridades”, diz Rachel Biderman, diretora-executiva do WRI Brasil. “Sabemos que o reflorestamento é bom para o meio ambiente, mas queremos atrair grandes fundos de investimento, para que os produtores ganhem dinheiro com isso”, completa. Para tanto, a organização desenvolveu o Projeto Verena, que mostra a viabilidade e competitividade econômica de projetos de reflorestamento de árvores nativas e agroflorestas no país. Advogada e doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas, Biderman afirma que o Brasil é o país com maiores oportunidades para recuperação florestal em larga escala. Mas, para cumprir sua meta com o Acordo de Paris de reflorestar 12 milhões de hectares até 2030, precisa resolver gargalos como a disponibilidade de crédito, minimização de riscos financeiros, acabar com a ilegalidade no comércio de madeira e ter uma boa legislação para a coleta de sementes.

Escolhas – O WRI tem defendido a recuperação florestal como um instrumento importante para conter as mudanças climáticas e também como vetor de desenvolvimento. Por quê?

Rachel Biderman – Em 2050, tudo indica que teremos uma população elevada, risco de falta de segurança hídrica e problemas climáticos. Assim, o momento de mudarmos alguma coisa é agora, para garantirmos a demanda de alimentos e outros produtos no futuro. A recuperação florestal foi eleita globalmente pelo WRI como um de seus grandes temas porque parte da solução para as mudanças climáticas virá pelas florestas, seja pela conservação das florestas existentes, seja pela recuperação das florestas que foram derrubadas. Escolhemos colocar foco nas áreas que já foram desmatadas e estão degradadas, porque precisamos aumentar nossa capacidade de sequestrar carbono. Para tanto, desenvolvemos o Projeto Verena (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), cujo objetivo é incentivar a produção de produtos madeireiros, não madeireiros e alimentos a partir de restauração florestal e agroflorestas. Procuramos olhar para a zona rural e para o setor produtivo in loco e encontrar soluções. O projeto vem ao encontro com a Declaração de Nova York sobre florestas, de 2014, que reconheceu o papel das florestas para o equilíbrio climático [a meta 5 da Declaração prevê restaurar 150 milhões de hectares de paisagens e áreas de florestas degradadas até 2020, chegando a 200 milhões de hectares até 2030].

Escolhas – O que o Projeto Verena demonstrou?

Rachel Biderman – A iniciativa analisou nos dois últimos anos a viabilidade técnica e econômica do reflorestamento com espécies nativas, e também os benefícios sociais e ambientais, de 12 casos no Brasil. Conseguimos mostrar como o produtor pode ganhar dinheiro plantando floresta na reserva legal. Demonstramos que, mesmo que a produção agrícola traga retorno de mais curto prazo, o retorno da recuperação florestal é maior¹. A restauração é feita em terra degradada e aumenta sua resiliência contra problemas climáticos. Por exemplo, no caso da Symbiosis², na Bahia, houve uma seca após o plantio do reflorestamento, realizado com 30 espécies nativas, e apenas essa fazenda não sofreu com a estiagem na região. Sabemos que o reflorestamento é bom para o meio ambiente, mas queremos atrair grandes fundos de investimento, para que os produtores ganhem dinheiro com isso.

Escolhas – Por que o Brasil foi escolhido para implantar o projeto?

Rachel Biderman – O projeto foi desenvolvido pelo WRI junto com a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza), com apoio financeiro da CIFF (Children’s Investment Fund Foundation) e começou com a busca de áreas degradadas onde houvesse virtude em recuperar com oportunidade econômica. Encontramos locais na África, América Latina e Ásia, mas queríamos um local para iniciar onde fosse mais fácil. Escolhemos o Brasil porque tem um movimento antigo de restauração e tradição acadêmica de estudos na área – nas universidades, na Sociedade Brasileira de Restauração, nas redes de sementes etc. O país tem expertise e tradição no plantio de eucalipto e pinus, que contam com recursos desde o século passado, além de muitas ONGs fazendo recuperação. Assim, pode alavancar um processo de reflorestamento em larga escala. Além disso, o país se comprometeu com a Convenção do Clima, no Acordo de Paris, a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 e o Código Florestal exige a recuperação das áreas de preservação permanente e reservas legais.

Escolhas – Mesmo com todos esses fatores, porém, a recuperação florestal tem sido tímida no país, tanto para cumprir as metas do Acordo de Paris quanto o Código Florestal. Quais são os gargalos para que esse processo seja acelerado?

Rachel Biderman – É preciso lembrar que 12 milhões de hectares correspondem a uma área maior do que toda a área plantada pelo setor de silvicultura (pinus e eucalipto) desde os anos 1960. Além disso, o investimento de largada é alto³. Para fazer com que essa meta aconteça, um dos principais mecanismos é alocar parte significativa do Plano Safra – o crédito agrícola brasileiro, para a recuperação ambiental e a agricultura de baixo carbono. O que foi investido até agora no Plano ABC [plano setorial do governo para Agricultura de Baixo Carbono] é muito pouco em comparação ao total do Plano Safra. É preciso recursos não apenas para o plantio, mas também para formar os gerentes de bancos, para que conheçam o tema, e para assistência rural, pois o agricultor tem que saber como fazer dinheiro com a recuperação. Hoje, há muitos financiadores para clima e florestas tentando entender quanto dinheiro é necessário para alavancar esse processo e foi por isso que começamos com estudos de casos bem sucedidos. Mas, para que esses recursos sejam disponibilizados, há ainda outros gargalos a serem vencidos: mitigação de risco do investimento, algo como um seguro, pois o setor financeiro não dá dinheiro sem garantias; incentivos tributários para a cadeia florestal que aumentem o retorno da atividade (no caso do eucalipto, foi dada redução no imposto de renda; na Europa, parte da indústria florestal se viabilizou a partir da área tributária); mais pesquisa e desenvolvimento para melhoramento genético, que torne as espécies nativas competitivas comercialmente, como temos para o eucalipto; calcular o custo da ilegalidade do comércio de madeira, já que acabar com o uso de madeira ilegal talvez seja suficiente para alavancar a economia florestal; por fim, precisamos avançar na cadeia de sementes. Se quiséssemos sair plantando árvores para cumprir as metas, não haveria sementes. É uma área com grande potencial para a economia, mas a legislação ainda é um obstáculo. É necessário poder coletar sementes inclusive nas unidades de conservação. Atualmente, a Fundação Renova, criada para recuperar o impacto ambiental do rompimento da barragem em Mariana (Minas Gerais), não sabe onde conseguirá as mudas que precisa para plantar4.

Escolhas – Um dos seus temas de estudo e também do seu livro Democracia, Cidadania e Proteção do Meio Ambiente (Annablume, 2002) é a participação da sociedade civil na formulação das políticas ambientais. Como tem visto essa presença hoje?

Rachel Biderman – A sensação é que os espaços de participação floresceram na década de 1990, em parte em consequência da Constituição de 1988, que estimulou alguns líderes, como o governador Franco Montoro, em São Paulo, e foram criados conselhos e comitês de bacia. Mas isso foi arrefecendo. Hoje, essa participação é limitada. A sociedade foi ficando cansada de trabalhar nessas instâncias, sem conseguir mudar a realidade. As ONGs foram percebendo que precisam se viabilizar e ter retorno concreto de seu trabalho. E isso aconteceu porque os conselhos, em geral, são espaços consultivos. Nos deliberativos, como o Conselho Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (Consema), por exemplo, a sociedade civil também é minoria e não muda os rumos das decisões, no máximo, consegue colocar condicionantes ou medidas de mitigação. Funciona para legitimar decisões às quais não consegue interferir. O único espaço que funciona, mais ou menos, são alguns comitês de bacia. Há também algumas representações, como na Conaveg (Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa), onde a sociedade civil está representada e é ouvida, mas depende de quem está na gestão. Isso precisa mudar, com a sociedade civil tendo poder efetivo para decidir.

¹Em sua maioria, os casos estudados pelo VERENA necessitam de maior investimento por hectare e tempo para recuperar o retorno do investimento, se comparados ao setor agropecuário e florestas plantadas. No caso do payback, o tempo maior se deve ao maior ciclo de colheita das espécies arbóreas nativas. Se diversificado, é possível mitigar riscos ambientais (estiagens, secas, etc) e de variação de preços. A análise conjunta dos 12 estudos de caso mostra que, em média, o retorno dos ativos é maior (16%) para o reflorestamento com espécies nativas e SAFs do que a média da agricultura e silvicultura com pinus e eucalipto (13%). A análise conjunta também indica que o retorno médio do investimento nos 12 estudos casos do VERENA leva 16 anos frente a 12 anos nos casos estudados da agricultura e silvicultura com espécies exóticas. ²Empresa brasileira voltada para a investimentos e produção na área de madeira de espécies nativas (http://www.symbiosisinvestimentos.com/index.php?id=1). ³Segundo o estudo “Quanto o Brasil precisa investir para recuperar 12 milhões de hectares de florestas?”, do Instituto Escolhas, de 2016, tal empreendimento requer um investimento de R$ 52 bilhões, gerando receitas de R$ 23 bilhões, arrecadação de R$ 6,5 bilhões em impostos e 215 mil empregos. 4A Plataforma “Quantoé?plantar florestas”, do Escolhas, ajuda a estimar o valor necessário para recupera a área de florestas nas propriedades rurais brasileiras, com ou sem a obtenção de retorno econômico (http://quantoefloresta.escolhas.org/).

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