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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

21 novembro 2018

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Natalia Nunes

A decisão de assumir um papel central no mundo requererá uma formulação sobre o tipo de desenvolvimento que desejamos, o que implica realinhar meio ambiente, economia e sociedade

Natália Nunes, Coordenadora Científica do Instituto Escolhas, fala sobre a relevância das análises de custo e benefício e da valoração ambiental para que o meio ambiente consiga ter relevância no debate e decisões sobre o desenvolvimento econômico do país.

 

Escolhas: Sua atuação até então era focada na área social (trabalho infantil, migração, gênero, saúde). Por que resolveu trabalhar no Instituto Escolhas, com os temas Economia e Meio Ambiente?

Natália Nunes: O meu trabalho antes de entrar no Instituto Escolha focava na pesquisa acadêmica de temas comumente chamados de “economia do bem-estar”. A maior parte dos meus trabalhos analisavam questões importantes para a formação de capital humano, como por exemplo nutrição infantil e atraso escolar. No meu entendimento a área de sustentabilidade também pode ser vista como uma extensão da “economia do bem-estar”, mas com uma perspectiva mais ampla, onde a relevância intertemporal é maior. A aplicação disso em projetos tangíveis é um desafio e foi isso que motivou minha vinda para o Escolhas.

 

Escolhas: Na sua visão, o Escolhas pode colaborar para se chegar a decisões mais informadas e objetivas e, por isso, com melhores resultados para o desenvolvimento sustentável?

Natália Nunes: Esse é o DNA do Escolhas. Olhando os estudos realizados até o momento, percebe-se que o Instituto foca em questões primordiais para a área ambiental mensurando as consequências de um conjunto de possibilidades de políticas e decisões públicas. Esse trabalho possibilita que o debate político e as decisões sejam pautadas em referências robustas. Além disso, a divulgação e tradução de análises, muitas vezes abstratas, contribui para inserir a sociedade no debate. Esse processo aumenta a demanda por soluções mais transparentes com definição clara dos ganhadores e perdedores e os respectivos custos embutidos.

 

Escolhas: Quais são as grandes escolhas que precisamos urgentemente fazer no Brasil para garantir um desenvolvimento que contemple as três vertentes da sustentabilidade (ambiental, econômica e social)?

Natália Nunes: dado a dimensão e biodiversidade que possuímos, existem muitas “grandes escolhas”. Para além de questões importantes como perfil da matriz energética, uso do solo, desmatamento, produção de alimentos de maneira sustentável e outros, um desafio que permeia todos esses temas é a consciência da nossa riqueza ambiental. O mundo inteiro valoriza esta diversidade. No plano ambiental somos considerados o maior “player” na cena global, mas no meu ponto de vista existe uma incerteza se queremos ou não desempenhar esse papel. A decisão de assumir um papel central no mundo requererá uma formulação no tipo de desenvolvimento que desejamos, o que implica realinhar meio ambiente, economia e sociedade. Como? Este é o desafio, não existe uma fórmula pronta, mas um dos primeiros passos é olhar além do curto prazo. No contexto atual este passo requer audácia não só do governo, mas de toda a sociedade.

 

Escolhas: Quanto a possibilidade de conciliação entre crescimento econômico e respeito ao meio ambiente, muitas vezes as discussões parecem intransponíveis. Você vê algum caminho?

Natália Nunes: no meu ponto de vista o caminho passa por valorar os recursos naturais. Contudo, esta é uma tarefa complexa. O conceito de crescimento econômico que estamos acostumados passa pelo consumo, o qual implica na existência de mercado. O preço de um bem é uma informação sintética e traz em si uma série de sinalizações para produtores e consumidores. No caso dos recursos naturais, não é possível aplicar esta lógica ipsis litteris. Descobrir o valor do meio ambiente é bem mais difícil. Em muitos casos os recursos naturais têm um valor pela sua existência, que não está associado ao seu uso atual ou no futuro. Em outros é possível constatar que há um valor relacionado ao seu uso direto, em outros o valor associa-se ao uso indireto. Ou seja, a análise demanda diferentes abordagens e dificulta a aplicação de uma única metodologia.

 

Escolhas: Então, os economistas conseguem dar resposta tangível para a valoração ambiental?

Natália Nunes: sim, é possível fazer uso de uma série de métodos de valoração ambiental. A dificuldade da aplicação decorre do fato de que metodologias fazem uso de premissas que algumas vezes podem parecer restritivas. Ainda assim, a decisão a respeito de qual método de valoração utilizar dependerá de uma análise detalhada do contexto ambiental. Mesmo porque quando tratamos de recursos naturais, complementariedades sistêmicas são importantes pois refletem a singularidade do conjunto de recursos em determinada localização. O que indiscutivelmente reflete no valor do recurso natural. Todas estas particularidades são relevantes para a valoração ambiental, e impedem a aplicação de uma “metodologia padrão” que seja independente de fatores específicos. Ou seja, mesmo sem a possibilidade de utilizar um método padronizado para valorar os recursos naturais, é possível obter uma resposta concreta. Só é mais complexo.

 

Escolhas: Por que no Brasil o tema do desenvolvimento sustentável ainda é tão incipiente nas faculdades de economia que sequer têm disciplinas voltadas para o tema. O que falta?

Natália Nunes: no nosso atual nível de desenvolvimento ainda temos desafios consideráveis em várias frentes. Temas para pesquisa aplicada não faltam. Acredito que a questão ambiental, cujos efeitos geralmente ocorrem no longo prazo, acaba ficando em segundo ou terceiro dentro das faculdades de economia porque este tema ainda não é visto como mais uma de nossas urgências que demandam respostas. Soma-se a isso o fato de que, na área de economia, pesquisa acadêmica aplicada se faz com dados. E neste ponto ainda somos deficientes, mas há algumas ressalvas: o PRODES que disponibiliza informações que são captadas via satélite sobre desmatamento e a iniciativa do IBGE em incorporar o eixo ambiental no Sistema de Contas Nacionais, calculando o Produto Interno Verde [PIV]. Contudo, no caso do PIV a data de implementação e periodicidade de divulgação ainda não foram definidos. Se não faltar recursos para a finalização deste trabalho, teremos conseguido dar um passo importante. Imagina os alunos de economia aprendendo a metodologia do PIV junto com a questões de balanço de pagamentos do Sistema de Contas Nacionais!

 

 

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