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Por Instituto Escolhas
03 setembro 2025
7 min de leitura
É preciso mudar o modelo de produção da soja no Brasil, dizem produtores e pesquisadores em debate no Correio Braziliense

O modelo de produção da soja no Brasil, que levou o país a se tornar o maior fornecedor mundial do grão, está perdendo eficiência e rentabilidade. A cada ano, os produtores brasileiros precisam aumentar o uso de agrotóxicos e fertilizantes para colher a mesma quantidade de soja.
Apesar desse cenário preocupante, uma parcela crescente dos produtores começa a descobrir que é possível prosperar por meio de práticas mais sustentáveis, que incluem a rotação de culturas, a adubação verde e o uso de bioinsumos.
O diagnóstico da produção de soja no país e a discussão sobre os avanços em direção a uma agricultura regenerativa foram destacados nesta terça-feira (2) por pesquisadores e produtores reunidos no debate A soja e os desafios da transição da agricultura brasileira, realizado pelo jornal Correio Braziliense em parceria com o Instituto Escolhas.
Ao abrir o evento, Sergio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, destacou que o setor da soja nunca esteve em um “momento tão desafiador”. Entre os motivos, estão o impacto das mudanças climáticas, as ações do governo norte-americano em favor da produção local e “questões estruturais” da produção brasileira. Afirmou ser necessário “construir um processo de entendimento” para que o Brasil consiga manter a liderança global na produção do grão.
A primeira mesa, que debateu as dificuldades atuais do produtor de soja, foi aberta por Jaqueline Ferreira, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas. Depois de destacar o protagonismo do Brasil no mercado global e de lembrar que a soja é a principal cultura agrícola brasileira (46% da área cultivada, segundo IBGE), Ferreira apresentou os dados da pesquisa Brasil como líder mundial em produção de soja: até quando e a que custo?.
“Nossa pesquisa traz evidências de que o modelo produtivo vigente, baseado no alto consumo de insumos químicos e expansão da área plantada, está se esgotando, pois apresenta perda de eficiência e de rentabilidade”, afirmou.
Segundo o estudo do Escolhas, em 1993 os produtores brasileiros usavam 1 kg de agrotóxico para produzir 23 sacas de soja. Em 2023, a mesma quantidade do insumo foi suficiente para produzir apenas sete sacas. O mesmo aconteceu com os fertilizantes. Em 1993, uma tonelada de fertilizantes produzia 517 sacas de soja, quantidade que caiu para 333 sacas em 2022.
“Esses dados sinalizam para a necessidade de mudança e para o fato de que a soja precisa liderar essa mudança”, afirmou Ferreira. “O produtor sente no bolso a pressão do aumento dos custos dos insumos e dos custos de produção e, em consequência, a perda de rentabilidade.”
Conforme explicou no debate, a monocultura e a sucessão de culturas, ao reduzir a biodiversidade local e qualidade do solo, aumentam a suscetibilidade da área plantada a pragas, doenças e plantas daninhas, exigindo o uso de mais agrotóxicos. E as pragas, doenças e plantas daninhas, por sua vez, tornam-se mais resistentes, exigindo cada vez mais defensivos agrícolas. “O primeiro passo para sair desse ciclo vicioso é admitir que esse modelo produtivo nos coloca em risco.”
Presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Maurício Buffon destacou que a aprovação da Lei dos Bioinsumos no final do ano passado vai acelerar a adoção de práticas mais sustentáveis. Afirmou, porém, que é preciso debater a transição da agricultura brasileira com muito cuidado.
“Não podemos esquecer tudo o que foi feito. Você não consegue virar uma chave de uma agricultura de 46 milhões de hectares. Decisões erradas podem provocar um prejuízo muito grande ao agricultor. É preciso cautela”, afirmou. “Mas as novas tecnologias, principalmente o bioinsumo, já estão presentes nas lavouras. É, porém, um processo que vai levar de quatro a cinco anos para ganhar corpo”, avaliou.
André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), defendeu que todos os atores envolvidos na produção de soja discutam “um modelo de agricultura regenerativa” que faça sentido para o Brasil. Nassar elogiou o estudo, mas afirmou que há aspectos da cultura do grão que não foram abordados pela pesquisa. Afirmou que a cultura do milho deveria ter sido incluída no estudo, uma referência à sucessão soja/milho muito presente nas plantações brasileiras.
Ao responder às observações do presidente da Abiove, Jaqueline Ferreira afirmou que os dados apresentados na pesquisa são, na verdade, “conservadores”. Segundo ela, a inclusão do milho tornaria “ainda mais grave” o quadro sobre o uso crescente de agrotóxicos e fertilizantes na cultura da soja.
Luís Barbieri, comerciante de grãos e diretor-executivo do Instituto Folio, parceiro do Instituto Escolhas na realização do levantamento, defendeu a construção de soluções específicas para o Brasil. “A gente tem desafios que a agricultura de clima temperado não tem. Eu acho que a gente precisa, de fato, encarar um modelo de agricultura tropical”, disse. Barbieri relatou avanços em direção a essa nova realidade. “A gente está convivendo com produtores que já conseguiram tirar 100% do fungicida químico da soja.”
A segunda mesa do debate no Correio Braziliense discutiu como acelerar a transição do modelo produtivo da soja no Brasil. Juliana Luiz, gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas, lembrou que o “novo normal é uma agricultura de adversidades climáticas”, o que inclui “secas, veranicos, estresses hídricos, entre outros eventos climáticos”.
Para entender o que o produtor está fazendo para lidar com essa nova realidade, o Instituto Escolhas fez uma pesquisa de campo que ouviu produtores de três estados brasileiros (Mato Grosso, Paraná e Goiás). Juliana Luiz adiantou alguns resultados do levantamento, que deve ser lançado nas próximas semanas.
Entre outras constatações, a pesquisa verificou a relação direta entre o plantio direto e o uso de agrotóxicos. “Há um crescimento concomitante da área de plantio direto com o crescimento do uso de herbicidas estimados para a soja”, disse.
Lembrou que os produtores brasileiros usam o plantio direto de forma incompleta. Eles não revolvem o solo na hora da semeadura, o que é não apenas positivo, mas uma prática “indispensável” para solos tropicais como os nossos. Não incorporam, porém, outras iniciativas importantes para se configurar o Sistema de Plantio Direto, como a diversificação de culturas. Por conta disso, plantas daninhas proliferam. “Elas, por sua vez, geram um aumento do uso de herbicidas, que acabam comprometendo a própria regeneração do solo.”
Juliana Luiz criticou o fato de a principal política pública de promoção da agricultura sustentável, o Plano ABC+, incentivar o plantio direto incompleto, ao prever o aumento de 8 milhões de hectares das lavouras que adotam essa prática no período 2020-2030, o que não é sustentável do ponto de vista ambiental nem econômico. “É prejudicial para a saúde do solo e também para o bolso do produtor, porque aumenta seus custos”, afirmou.
Para Reginaldo Minaré, diretor-executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS), “a agricultura regenerativa será o normal amanhã”. Defendeu que as universidades públicas e a Embrapa direcionem o dinheiro público para as novas tendências de uma agricultura sustentável.
Chefe-geral da Embrapa Cerrados, Sebastião Pedro da Silva Neto destacou que o atual modelo de produção de soja está se esgotando e que é preciso mudar antes que o “sistema colapse”. Afirmou que há “soluções tecnológicas” para esse modelo de base biológica que está sendo adotado rapidamente pelos produtores. “E por que está adotando de forma rápida? Porque é mais sustentável, o alimento sai com qualidade melhor e o cliente que compra dá a ele preferência.”
Segundo Eduardo Martins, presidente do Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), o Brasil tem as melhores condições para a transição na agricultura e listou os motivos que a justificam. “A primeira coisa chama-se custo de produção. É possível com as práticas regenerativas reduzir esse custo. E essa redução se dá, em grande parte, por substituição, não total, dos agrotóxicos e dos fertilizantes químicos”, afirmou.
Segundo Martins essa redução gera uma segunda justificativa para a transição, mais autonomia e independência da produção brasileira, o que, em sua visão é fundamental para que o país mantenha a liderança global na área agrícola. Uma terceira razão são as mudanças climáticas. “Nós precisamos de resiliência. E a gente resolve resiliência cuidando do solo e fazendo com que as áreas produtivas possam ter uma inserção adequada na paisagem rural”. Lembrou ainda que o produtor brasileiro já adota muitas das práticas regenerativas e que é “menos dependente” de subsídios na comparação com os produtores de outros países.
Assista à integra do debate no canal do Correio Braziliense no YouTube.