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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

05 setembro 2017

6 min de leitura

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Entrevista do mês: Roberto Kishinami

Planejamento energético no país precisa levar a desenvolvimento socioambiental

O Brasil tem uma matriz elétrica mais limpa do que a maior parte dos países, mas a participação dos combustíveis fósseis tem aumentado. Segundo o físico Roberto Kishinami, especialista em meio ambiente e energia, porém, existem fontes de energia renovável suficientes para levar o país para uma economia de baixo carbono e que colabore para diminuir as distâncias de renda entre pessoas e regiões brasileiras. Para tanto, o coordenador do Portfólio de Energia Elétrica do Instituto Clima e Sociedade (iCS) ressalta que é preciso investir em pesquisa e educação. “É necessário política de estado para que a transição ocorra em benefício da população. Caso contrário, não seria aceitável. No Acordo de Paris, esse planejamento é a estratégia de longo prazo, mas ainda não temos esse caminho definido”.

Escolhas – Sempre ouvimos dizer que a mátriz elétrica brasileira é limpa. Isso é verdade?

Roberto Kishinami – A matriz elétrica no Brasil é majoritariamente de origem hidrelétrica (aproximadamente 63%), mas há trinta anos chegou a representar 92% da eletricidade consumida. O que acontece com a matriz  brasileira é que está se movendo para uma composição mais diversa, e hoje cerca de 20% vêm de combustíveis fósseis. A proporção de renováveis ainda é maior do que na maior parte do mundo, mas a parcela fóssil está crescendo. Queremos mudar essa tendência para que, em 2050, tenhamos uma  matriz mais diversa, mas ainda mais renovável.

Escolhas – É possível conciliar essa mudança de tendência com o desenvolvimento do país?

Kishinami – Do ponto de vista climático, o problema é o crescimento da parcela fóssil na matriz elétrica. Mas temos que combinar essa mudança com a estratégia de desenvolvimento do país, em aspectos como as diferenças sociais, onde temos um fosso muito grande entre alta e baixa renda e uma má distribuição regional.

Escolhas – Como isso pode ser feito?

Kishinami – Idealmente, o aproveitamento das fontes de energia deveria estar ligado a projetos de desenvolvimento socioambiental. Por exemplo, no Nordeste há um grande crescimento de plantas de energia eólica. Temos 10 gigawatts (GW) de capacidade instalada em eólica no Brasil (do total de 150 GW) e essas eólicas estão concentradas no Nordeste (há ainda perto de 1 GW no Rio Grande do Sul). A maior parte das fontes eólicas é colocada em terremos arrendados, mas o arrendamento pode ser de várias maneiras. Pode cercar e não permitir que se faça nada dentro do terreno ou usar o padrão europeu, onde se paga pelo uso da área, mas sem impedir o aproveitamento agropecuário no local. A diferença é promover, no longo prazo, a produção regional, com geração de renda, ou favorecer o patrimonialismo, o que tem predominado no Brasil. Para isso, precisa mudar a maneira de se fazer política pública e ter maior envolvimento local.

Escolhas – O Brasil tem um compromisso com a Convenção do Clima, a partir do Acordo de Paris, de aumentar o uso sustentável de energias renováveis, excluindo energia hidrelétrica, para ao menos 23% da geração de eletricidade do Brasil até 2030. Essa meta é viável?

Kishinami – É uma meta fácil de cumprir. A matriz elétrica brasileira já está nesse padrão de 23% a 24% de renováveis. A questão é ligar metas de energia com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que também fazem parte do Acordo de Paris. Voltando ao exemplo das eólicas. Além do aluguel do terreno, a produção de energia eólica poderia contribuir para o desenvolvimento rural dos municípios. Uma parcela da arrecadação das eólicas, 0,5% por exemplo, poderia ser destinada a esses programas ou para educação, que é uma área chave para superar desigualdades no país. Isso vale também para energia solar, de biomassa e hidrelétricas. O que nos falta é uma visão integradora da energia dentro da sociedade.

Escolhas – Além da eletricidade, os combustíveis também fazem parte da matriz energética brasileira. Como o país pode avançar em relação à redução de emissões nessa área?

Kishinami – Os combustíveis são usados para mover coisas e pessoas. Mas os veículos com motores podem ser elétricos ou queimar combustíveis. Os elétricos são mais eficientes, conseguem produzir mais movimento com menos energia. O motor elétrico converte 90% da energia em movimento (perde apenas 10%). Nos motores de combustão interna, o rendimento, aquilo que é convertido em movimento, chega a 20% no máximo. O resto é energia gasta com calor, ruído e poluição. É óbvio que o caminho de 90% é preferível. É inevitável que o transporte adote cada vez mais formas elétricas. A questão é de onde vem a eletricidade, que precisa ser de fontes limpas e seguras.

Escolhas – O etanol não é uma alternativa aos combustíveis fósseis?

Kishinami – O etanol é importante e significativo. O Brasil produz 30 bilhões de litros/ano, a segunda produção do mundo, depois apenas dos Estados Unidos. Além disso, o etanol brasileiro tem vantagem sobre o norte-americano em termos de carbono. A produção deles é a partir do milho, que precisa ser cozido para liberar amido para a produção do etanol, o que emite carbono. No caso da cana-de-açúcar, não precisa desse processo. Os biocombustíveis são importantes para a transição porque emitem menos gases de efeito estufa que o petróleo, mas ambos têm baixo rendimento energético.

Escolhas – O Brasil teria como produzir eletricidade limpa o suficiente para substituir os combustíveis fósseis?

Kishinami – O país tem fontes suficientes para produzir essa eletricidade de fontes solar, eólica, biomassa e hidrelétrica. A dificuldade não é a escassez de fontes, mas a decisão sobre qual o caminho que seguiremos no longo prazo. Mudanças implicam em empregos que desaparecem (o setor de petróleo emprega muita gente) e outros que não existem hoje, mas serão necessários. Para tanto, precisa de treinamento, educação que hoje não existe. É necessário política de estado para que a transição ocorra em benefício da população. Caso contrário, não seria aceitável. No Acordo de Paris, esse planejamento é a estratégia de longo prazo, mas ainda não temos esse caminho definido.

Escolhas – Quais são os riscos para o país de não investir nessa transição e o que o que é preciso para que ela aconteça?

Kishimani – O clima já está mudando, mas não sabemos como isso está acontecendo nos diferentes pontos do território. O país é muito grande. No Norte, as mudanças serão diferentes do Sul. Superar esse desconhecimento exigiria investimento em ciência e tecnologia. Já deveríamos ter mais sensores, mais centros de pesquisa acompanhando e identificando novos indicadores. Ter melhor compreensão do problema permitiria ao setor energético criar programas de adaptação e estimar, por exemplo, os riscos de hidrelétricas na  Amazônia. Além disso, o Brasil precisa avançar na economia da energia. Pesquisar as relações entre diferentes fontes e modelos de consumo, que permitiriam fazer melhores projeções para possíveis caminhos para a transição. Até 2100, precisamos mudar toda a economia para o que chamamos genericamente de economia de baixo carbono. Há vários jeitos de se fazer isso, desde o caótico, do salve-se quem puder, até o mais organizado, para o qual é preciso conhecimento. Entender o custo e a economia da energia, e sua relação com o desenvolvimento é essencial para o país, no entanto, estamos um pouco cegos em relação ao futuro por conta dos dramas de curto prazo, como a crise política e o déficit fiscal.

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