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Por Instituto Escolhas

30 junho 2016

5 min de leitura

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Ministério Público recorre à decisão que permite construção em áreas contaminadas

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que empresas de construção civil não precisam descontaminar integralmente os terrenos destinados à moradia, como exige o Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP).

A Resolução Conama nº 420/09 e a Lei Estadual nº 13.577/09 estabelecem valores orientadores para que a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) possa determinar as medidas do processo de remediação, ou seja, a avaliação de riscos à saúde e ao meio ambiente, em que são realizadas investigações preliminares, apresentando um plano de intervenção caso a contaminação do solo seja confirmada. Dessa forma, cabe à Cetesb impedir ou aprovar a construção, bem como monitorar as águas subterrâneas por dois anos. Não havendo alterações nas concentrações, a Cetesb emite o “termo de reabilitação” para o uso declarado da área e a Prefeitura de São Paulo expede o alvará de construção.

No entanto, com a medida do TJSP, os riscos de não descontaminar o solo são altos. A contaminação consiste em uma grande quantidade de substâncias tóxicas que permanecerão no subsolo por décadas e, na maioria dos casos, a contaminação não fica confinada aos limites da área do responsável pela poluição, podendo atingir imóveis vizinhos e impedindo toda a vizinhança de ter contato com o subsolo e águas subterrâneas.

“O erro conceitual está, primeiro, no fato de não se exigir que o poluidor tente eliminar a poluição que provocou ou, ao menos, reduzi-la a concentrações abaixo dos valores de intervenção (VI) estabelecidos em lei. O segundo erro conceitual é o Tribunal não obrigar a reparação integral do dano ambiental estabelecida na Constituição Federal”, conta José Eduardo Ismael Lutti,
promotor de justiça do meio ambiente da capital. Lutti explica, ainda, que é necessário deixar claro que a reparação integral do dano não se confunde com restabelecimento integral do ambiente natural. “São situações diferentes e, portanto, não se pode deixar iludir com o discurso de alguns empreendedores que o Ministério Público pretende que se retorne ao tempo de Adão e Eva”, completa.

O Ministério Público já entrou com recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal de Justiça (STF) e continuará a ingressar novas ações civis públicas caso o TJSP não atenda aos preceitos legais e constitucionais. De acordo com Lutti, recorrer aos tribunais já foi uma medida adotada pelo MP no caso da queima da palha de cana-de-açúcar, o que fez com o que os tribunais fossem, aos poucos, modificando seus posicionamentos. Dessa forma, espera-se que o mesmo processo ocorra em relação a decisão do TJSP. “A sociedade precisa evoluir, não regredir. O poder público e os legisladores devem se atentar a isso e, deixando um pouco de lado os interesses econômicos momentâneos e de poucos, se antecipar ao longo caminho judicial que se apresenta, editando normas mais claras e efetivas para garantir, de fato, não só a saúde humana, mas, também, o meio ambiente”, revela Lutti.

O mais importante com relação às incorporações em área contaminadas, segundo o promotor, é o fato de que os empresários sabem, e seus advogados mais ainda, que o adquirente de uma área degradada tem a responsabilidade pela sua recuperação, mesmo não sendo o autor dos danos. Essa responsabilidade foi construída ao longo de muitos julgamentos do Judiciário, visando à proteção do meio ambiente e da coletividade, sendo que a quase totalidade das ações se iniciaram com o Ministério Público.

Barão de Mauá e os futuros cenários

O perigo das áreas contaminadas se tornou público em São Paulo quando, em 2000, uma explosão ocorreu no Condomínio Residencial Barão de Mauá, no Parque São Vicente, em Mauá, Grande São Paulo, ocasionando a morte de um operário que realizava a manutenção na bomba de uma caixa d’água subterrânea. Os prédios foram construídos na década de 1990 em um terreno contaminado. Desde então, o Ministério Público de São Paulo vem trabalhando no caso e o município e o Estado estão realizando o acompanhamento médico dos moradores.

14-292594f_5b15590aa10c49bb9a3d0d2bd007043c-mv2_d_2048_1365_s_2Lutti considera que é muito cedo para dizer se a decisão do TJSP irá prevalecer, mas adianta que para o meio ambiente a medida é um grande retrocesso, assim como para a saúde. “Existe um princípio constitucional no sentido de que as gerações atuais têm obrigações para com as futuras de deixar um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Permanecendo os conceitos de remediação estabelecidos pelo Conama e Assembleia Legislativa de São Paulo, estaremos deixando somente sujeira (contaminantes) embaixo do tapete (subsolo e águas subterrâneas)”, conta.

Para ele, o caso do condomínio em Mauá revela a precariedade dos recursos do poder público, que sequer consegue fazer a remoção da população que está sob risco, além de não realizar qualquer movimento concreto para solucionar os problemas. “Não existe uma política pública de saúde ambiental para monitorar clinicamente essas populações para se saber, por exemplo, se estão ou não contraindo doenças decorrentes das contaminações”, revela Lutti. Ainda de acordo com o promotor, a economia também é afetada, de modo que a sociedade só conseguirá colher benefícios se a legislação for aplicada corretamente, com a reparação integral do dano, a descontaminação até o limite do possível e a indenização do irreparável. “A economia no Brasil é cíclica e não se pode assumir uma posição tacanha de que haverá prejuízos para as incorporadoras. E a sociedade? Não terá prejuízos em detrimento dos ganhos delas? Todos podem e devem lucrar livremente no Brasil, desde que com respeito às leis, inclusive as ambientais”, diz.

Dessa forma, a exigência de procedimentos mais rígidos, como estabelecem as leis, ao contrário do que afirmam, somente aumentará o número de empregos: mais empresas de consultoria ambiental serão necessárias, mais contrações por essas empresas, mais equipamentos deverão ser construídos, maior número de pesquisadores serão necessários, haverá desenvolvimento de tecnologias nacional e local. “Quando a crise econômica passar, os incorporadores voltarão a construir, mesmo com exigências mais duras, e os consumidores (adquirentes de imóveis) pagarão o preço justo por isso. Mais caro, provavelmente, mas o justo, e as incorporadoras continuarão a lucrar, como permite a Constituição Federal”, explica Lutti.

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