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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

02 junho 2016

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Ricardo Abramovay

Membro do conselho científico do Instituto Escolhas, o cientista político e sociólogo Ricardo Abramovay acredita que não dá mais para pensar em sustentabilidade sem pensar em inovação. Segundo ele, se o nosso crescimento econômico não se vincular à regeneração de serviços ecossistêmicos e tecidos sociais que vêm sendo destruídos pela maneira que a indústria vem crescendo nos últimos 15 anos, não conseguiremos base econômica para uma sociedade que acelere o caminho contra a desigualdade. Abramovay, que é autor do livro “Muito Além da Economia Verde” e foi professor titular do Departamento de Economia e coordenador do Núcleo de Economia Socioambiental da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), acredita que os meios para alcançar essa inovação precisam ir além de propor políticas econômicas. “Isso deve ser o nosso ponto de partida, e não de chegada”.

Escolhas – Qual a importância do Escolhas na busca por dar informações econômicas sobre as opções para o desenvolvimento do país?

Abramovay – Nós temos muitas discussões no Brasil que não se apoiam em dados rigorosos que permitam avaliar os resultados das opções que são feitas, tanto no plano privado quanto no plano governamental. Fui convidado a participar do conselho do Instituto Escolhas para dar a minha contribuição a esse trabalho. Apesar de não ser minha especialidade, como pesquisador, pôr número nas coisas, sem dúvida alguma é algo muito importante.

Escolhas – Com o compromisso para o clima apresentado pelo Brasil na COP-21, e levando em conta a crise econômica e política, como achar soluções para fazer essa meta acontecer?

Abramovay – Nós não temos a menor chance se insistirmos em um modelo energético cujo eixo está nas usinas hidrelétricas e no pré-sal. Embora o governo mantenha planos de investimentos e nada indique que isso mudará em um futuro próximo, vai ser muito difícil conseguir recursos para levar esses modelos adiante. Além da grande pressão social, no que se refere à construção das usinas hidrelétricas, as alternativas energéticas mais sustentáveis estão ficando cada vez mais baratas. O que precisamos é formar uma coalizão social capaz de impulsionar energias renováveis modernas de maneira massiva, como está sendo feito na China e na Índia.

Escolhas – Como o petróleo está se tornando uma riqueza ultrapassada e o mundo caminha para a descarbonização, a pressão do mercado internacional pode influenciar o Brasil?

Abramovay – Com certeza. O Brasil sempre considerou o pré-sal como uma fonte abençoada de recursos para suprir suas necessidades sociais, mas há problemas sérios nisso. Essas necessidades sociais não estão sendo atendidas por razões que não têm relação com falta de recursos. Além disso, ainda não fomos para as camadas profundas do pré-sal e as tecnologias necessárias para isso são tão complexas que dificilmente isso vai acontecer. Ainda que precisemos dessa riqueza durante um tempo, o petróleo que vai abastecer as necessidades humanas virá de fontes muito baratas. Em resumo, um petróleo caro não se viabiliza, pois a demanda por ele está caindo mais rápido do que se imaginava e as alternativas estão se desenvolvendo mais rapidamente do que em Copenhague [COP-15, em 2009] poderia imaginar.

Escolhas – Em um artigo recente, você citou que “a vida econômica brasileira está distante da fronteira global de inovação”. Quais passos precisam ser tomados para mudar isso?

Abramovay – Essa é uma característica não só do Brasil, mas da América Latina como um todo. O atraso em matéria de inovação está muito ligado ao lugar que nós ocupamos das cadeias globais de valor, de fornecimento de matéria-prima. O que norteia alguns setores de exportações e da infraestrutura ligada a eles, como as hidrelétricas, portos e rodovias, não é a exposição do que é feito, visando a competição internacional, mas sim um acordo entre empresas, o que representa o contrário da inovação. O que precisa acontecer é a junção entre serviços de alta qualidade e a indústria, mas no Brasil estamos muito distantes desses serviços, mesmo em nossas indústrias mais dinâmicas, como a automobilista. Tudo isso tem uma consequência muito séria do ponto de vista socioambiental, pois você não acompanha a fronteira global da inovação, que se aproxima cada vez mais da sustentabilidade, e não dá para pensar sustentabilidade sem pensar em inovação. O que vai determinar a capacidade de cada país de desenvolver uma vida econômica que busque a regeneração dos ecossistemas são os meios técnicos dos quais nós estamos ficando cada vez mais distantes.

Escolhas – Levando em consideração essa realidade brasileira, o que seria um primeiro passo para mudar isso?

Abramovay – Em primeiro lugar, temos que mudar a nossa relação com a biodiversidade. É passar de uma economia da destruição da natureza para uma economia do conhecimento da natureza. Precisamos mudar a maneira de encarar a agricultura que apenas reduz danos para uma agricultura que seja regenerativa nela mesma. A agricultura de baixo carbono sem dúvida é um avanço importante nesse sentido. É ilusória a perspectiva de que nós vamos ser o ‘celeiro do mundo’ e que vamos abastecer todo mundo. Por mais século XX que essa concepção possa ser, ela acaba sendo influente na maneira como concebemos a nossa infraestrutura, com uma economia voltada para a exportação de produtos primários. Exportar vai valer cada vez menos se você não agregar valor.

Escolhas – Pensando um horizonte até 2030, há como pensar que o Brasil vai investir nisso?

Abramovay – Os meios para investir nós temos. Mas ainda parece que o Brasil tem acredita ter um bônus nessa área: o fato da nossa matriz energética não ser suja e termos reduzido o desmatamento. Essa mentalidade de que já fizemos a nossa lição de casa não tem mais a força que tinha 6 anos atrás, mas ainda é forte. Ainda temos modelos urbanos e de mobilidade que são altamente dependentes de emissões e estamos encarando esses problemas de maneira muito incipiente. Não basta propor políticas macro ou micro econômicas que poderão retomar o crescimento brasileiro. Isso é ponto de partida, não de chegada. Se for para crescermos como em 2010, apoiados basicamente em produtos de baixo valor agregado, pouco conteúdo de inteligência e surfando em ondas episódicas, esses esforços de responsabilidade fiscal e acertos em políticas econômicas terão sido praticamente em vão.

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