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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

05 dezembro 2016

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Plínio Ribeiro

O Brasil é a Arábia Saudita das florestas tropicais

Diretor executivo da Biofílica, empresa atuante nos campos de gestão e conservação de florestas a partir da comercialização dos serviços ambientais, o presidente do conselho fiscal do Instituto Escolhas, Plínio Ribeiro, acredita que as bases para a criação de um mercado de conservação florestal no país estão mais fortes do que nunca. “A crise pode retardar, mas esse mercado vai acontecer. Para que deslanche, o que precisamos é uma visão mais efetiva do setor público. O que falta é política pública para incentivar essa economia e não a poluidora. O mercado está fazendo a parte dele, mas pode ser acelerado”, acredita.

Escolhas – O que o levou a apostar, como empreendedor, na área de florestas no Brasil?

Plínio Ribeiro – A Biofílica foi criada em 2008 com o objetivo de transformar a conservação de florestas em atividade economicamente relevante para os proprietários de floresta. O contexto que nos moveu foi o tamanho e a relevância das florestas tropicais no Brasil. Comparando com o petróleo, o Brasil é a Arábia Saudita das florestas tropicais. A importância dos ecossistemas já está provada, o grande desafio é como remunerar pessoas e comunidades para que continuar a conservar esse patrimônio e os serviços que ele presta. Na ocasião, boa parte da discussão sobre mudança do clima girava em torno da Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (conhecida por REDD, na sigla em inglês). Escolhemos trabalhar com a lógica privada do REDD, com investimento ambiental em escala.

Escolhas – O que faz e como trabalha a Biofílica?

Ribeiro – É um empreendimento que passa por três fases: há áreas na Amazônia com a escala necessária, com questão fundiária resolvida e confiança no parceiro (dono da floresta) – a Biofílica não é dona da floresta. Hoje temos seis projetos, totalizando 1,2 milhões de hectares (no Amapá, no Pará, em Rondônia e no Amazonas). Depois, vem o desafio técnico: trabalhamos com dois padrões de certificação. E, por fim, a dimensão comercial. Nosso projeto gera redução de carbono, mas quem paga? Esse é o grande desafio. Precisa provocar a demanda pelo carbono, o que está ligado às regulações e acordos. Gasto boa parte do tempo envolvido na construção de políticas públicas para criar essa demanda. Em 2012, houve a discussão do Código Florestal e, desde o início, entendemos que havia ali uma oportunidade de negócio e que tinha algo implementável. Vimos a renovação com bons olhos. Nos envolvemos com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que levou à segunda unidade de negócios da empresa, que é a compensação de reserva legal, por meio das Cotas de Reserva Legal (CRA). Temos um modelo que funciona como se fosse uma imobiliária, um banco de áreas que fomos formando, e que deve ser impulsionado com a regularização da CRA. O desfio do REED continua a ser a demanda. Atualmente, o mercado é voluntário, formado por empresas que buscam compensar emissões porque estão preocupadas com sua marca, diante do consumidor (são construtoras, bancos, entre outras).

Escolhas – E qual é esse papel? O que falta para que esse mercado aconteça em escala?

Ribeiro – É um mercado totalmente nacional e a regularização está mais desenvolvida, a lei prevê a compensação. O que falta para deslanchar é a forma de cobrar a obrigação ambiental, falta regularização. É preciso haver a cobrança da lei, o que ainda não aconteceu. Quando se adiou CAR para ano que vem, se empurrou a solução para frente. O PRA ficou adiado, a não ser via mercado. Um exemplo de como isso já vem acontecendo é uma empresa agropecuária que vai arrendar uma área e obriga o arrendatário a procurar solução para compensar seu passivo ambiental. Isso acontece para culturas como cana, soja ou palma, ou para o licenciamento de instalação de um parque de energia eólica. Quem planta, quer garantia de que vai colher.

Escolhas – Qual o tamanho e importância desse mercado de conservação florestal? Ele é viável?

Ribeiro – O passivo florestal total no país é de 20 a 25 milhões de hectares. Se estimarmos um mercado potencial de metade disso, temos 10 milhões de hectares, o que é gigantesco. Se a compensação for feita via arrendamento, ao custo de R$ 250,00 o hectare/ano, poderia movimentar R$ 2,5 bilhões por ano. Isso é o maior mercado de pagamento por serviços ambientais do mundo. Somos a primeira geração de empreendedores que está viabilizando esse mercado. O reconhecimento dos serviços ambientais do carbono é muito recente, o processo está amadurecendo. Até então, a conservação sempre dependeu de doação, mas isso é escasso. Se não entrar mercado, não daremos conta do desafio.

Escolhas – Como um instituto como o Escolhas, focado em estudos econômicos ligados à questão ambiental, pode ajudar a viabilizar esse mercado?

Ribeiro – Em conversas durante a Rio+20, percebemos que havia várias pessoas buscando a mesma coisa por caminhos diferentes e daí surgiu a ideia de uma think tank que não fizesse só diagnóstico, mas que pensasse também em oportunidades para quem quer empreender e estudasse o potencial de negócios como energia eólica, solar, gestão de parques, saneamento, transporte. Esse é um dos papéis do Escolhas, desenvolver uma classe de empreendedores que possa desenvolver o país naquilo que ele tem vocação.

Escolhas – Em que nível a crise econômica pode impedir ou afetar o desenvolvimento dessa vocação no Brasil?

Ribeiro – Como esses mercados nunca existiram, não foram afetados pela crise. Além disso, os fatores que levam ao desenvolvimento desses mercados, como a consciência do consumidor etc., estão mais fortes do que nunca, melhores do que a cinco ou dez anos atrás. A crise pode retardar, mas, para deslanchar, precisa de visão mais efetiva do setor público. O que falta é política pública para incentivar essa economia e não a poluidora. O mercado está fazendo a parte dele, mas pode ser acelerado. Na área de REED, o governo brasileiro tem jogado contra. No Código Florestal, prorrogou o CAR, o que foi um absurdo, com 88% das propriedades cadastradas. As concessões de parques estão devagar, enquanto os parques estão precários há décadas. São Paulo só aprovou lei nesse sentido no ano passado e o ICMBio só lançou um edital agora. É uma questão de visão de país, que até agora não vê esses ativos como potencial de desenvolvimento, só comando e controle mal feito. Nosso dilema não é se esse mercado vai acontecer ou não, mas quando e como se sobrevive até lá.

Escolhas – O que precisa para empreender nessa área?

Ribeiro – Conhecimento, pois são temas técnicos e complexos, e construir boas relações, não só entre privados, mas – mais do que em outras atividades – também com a sociedade e governos em todas as instâncias. E ter perseverança.

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