Texto

Entrevistas


Por Instituto Escolhas

07 fevereiro 2017

6 min de leitura

Compartilhe: Compartilhe: Voltar

Entrevista do mês: Ciro Biderman

Transporte urbano: é preciso aumenta participação de pedestres e ciclistas no total de viagens

Coordenador do estudo Quanto Custa Morar Longe?, que está sendo realizado pelo Instituto Escolhas, o pesquisador Ciro Bideman acredita que é viável criar um sistema estrutural de transporte público eficientes para as cidades, começando por dar mais e melhores espaços para pedestres e ciclistas. Investir na implantação de moradias mais próximas aos centros de serviços e empregos e melhorar as condições de habitações também é importantíssimo, embora mais complicado. Pesquisador do Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público (CEPESP) e dos cursos de graduação e pós-graduação das Escolas de Administração de Empresas e de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e chefe de gabinete da SPTrans, Biderman acredita que a Cátedra Economia e Meio, lançada no final do ano passado, deve fomentar os estudos de economia do meio ambiente bastante raros no Brasil, que podem ajudar o setor púbico a tomar decisões para resolver essas questões.

Escolhas – Quais as soluções para que o transporte seja mais sustentável?

Ciro Biderman Essa resposta é fácil: aumentar a participação do transporte público e dos modais ativos (pedestres e ciclistas) no total de viagens. Também não é um grande mistério como realizar: melhorar as calçadas, criar ciclofaixas, faixas exclusivas de ônibus, reduzir a velocidade em geral e, o mais difícil, criar um sistema estrutural de transporte público. Algumas cidades, que já têm seu sistema estrutural, precisam equacionar como garantir a sua manutenção. Para as que não têm um sistema estrutural, a pergunta é como criar um sistema estrutural e mantê-lo, o que é bem mais complicado.

A oportunidade é que, em qualquer solução, diminuindo o espaço para carros, elas se tornam extremamente viáveis. Isso é óbvio em todas as soluções citadas, mas não tão tanto na principal dificuldade: criar um sistema estrutural de transporte público. Em um sistema de BRT, por exemplo, uma parcela muito grande do custo refere-se às desapropriações. Retirando-se espaço dos automóveis, esse custo cai drasticamente. Com veículos autônomos e o avanço das baterias, investir em metrô se justifica apenas em casos de viários extremamente limitados.

As cidades têm caminhado na direção de aumentar espaço para ciclistas e pedestres, porém a passos lentos. O volume de BRT também aumentou, mas o volume de investimentos em metrô segue muito maior, com raras exceções. Há poucos casos para os quais a solução é tão evidente como no caso de transportes. No entanto, o equilíbrio político faz com que essa solução seja postergada sistematicamente. As cidades também não começaram a se preparar para o veículo autônomo e o novo modelo de transporte de passageiros compartilhado. Essa combinação acaba com a necessidade de um transporte alimentador. O mais interessante é que a solução compartilhada para o transporte alimentador, com carros menores do que os atuais, é muito provavelmente mais sustentável do que a solução convencional com veículos de médio porte operando por concessão.

Escolhas – Qual a importância de se debater o tema de cidades atualmente e como isso está relacionado à economia e meio ambiente?

Biderman A proporção da população vivendo em cidades no Brasil é muito elevada, mais de 80% da população. Reduzir drasticamente o problema de emissões em cidades é dar um passo enorme em termos ambientais. O transporte é uma das principais causas de emissões nas cidades e por isso sua relevância nesse panorama. A habitação é certamente o outro ponto chave para que as cidades sejam sustentáveis e a economia do meio ambiente têm muito o que dizer nessa área. O problema, porém, é de solução bem mais complexa do que no caso do transporte.

Escolhas – Como o estudo Quanto Custa Morar Longe? pode contribuir para as questões de mobilidade?

Biderman A solução para aumentar a sustentabilidade dos transportes nas cidades está potencialmente resolvida alterando-se a distribuição espacial entre modais. No entanto, cidades muito espalhadas e com empregos muito concentrados no centro, não têm como resolver seus problemas de congestionamento e emissões contando apenas com o transporte. É preciso simultaneamente alterar a distribuição espacial da população, para reduzir as distâncias percorridas. Os governos e as famílias podem estar tomando decisões erradas ao definir seu local de moradia. Os governos podem não estar realizando a conta dos diversos custos gerados em infraestrutura: saneamento, transporte, educação, saúde. As famílias podem não estar calculando esses custos também. Qual o custo de ficar sem o serviço público? Qual o custo de se deslocar 3-4 horas por dia? E assim por diante. Ao colocar em evidência esse custo, é possível que governos e famílias tomem decisões mais racionais.

Escolhas – De que forma a aproximação das famílias dos centros urbanos, e locais de negócios, contribui para o desenvolvimento econômico sustentável?

Biderman Aproveitar as ociosidades no centro das cidades e ocupa-las com população que, sem essa oferta, moraria longe, é uma medida que aumenta significativamente a sustentabilidade das cidades. O centro é o local onde há a maior oferta de transporte público e infraestrutura de transportes em geral. Esse mecanismo aumenta o uso de transporte público e de modais ativos. Se seguido por uma política de aumento do espaço para esses modais, deve alavancar ainda mais.

Há também uma outra forma da habitação contribuir para o desenvolvimento econômico sustentável. As favelas têm se instalado sistematicamente em áreas precárias, em geral próximas de sub-centros. Essas áreas aparecem embaixo das pontes e viadutos, sobre córregos, nos solos contaminados e assim por diante. A questão é como reduzir a precariedade desses grupos que já estão (geograficamente) mais ou menos onde deveriam estar. A retirada da população das áreas de risco pode ocorrer com o aumento da densidade no entorno das áreas problemáricas, mas isso envolve uma negociação complexa com os moradores atuais. No entanto, o custo de morar longe deve diferenciar o custo de morar próximo de um sub-centro, do custo de morar longe de qualquer área de concentração mínima de emprego, comércio e serviços.

Escolhas – O Instituto Escolhas lançou a Cátedra Economia e Meio Ambiente no fim do ano passado. Como ela pode contribuir para que as cidades sejam mais sustentáveis?

Biderman Essa cátedra deve fomentar os estudos de economia do meio ambiente bastante raros no Brasil atualmente. Dada a importância que tem ganhado a economia urbana, ou seja, a economia das cidades, certamente pode ajudar a aumentar os estudos de sustentabilidades das cidades. Claro que deve fomentar em paralelo pautas mais gerais, como mudanças na matriz energética, as queimadas nas áreas rurais e assim por diante. Mas não há dúvida que parte dos trabalhos deve ser na área urbana.

Escolhas – Que tipo de estudos estão faltando para subsidiar tomadas de decisões relacionadas à sustentabilidade que levem também a um maior desenvolvimento humano e econômico nas cidades brasileiras?

Biderman O estudo das cidades, bem como o estudo do meio ambiente na economia, tem sido raro no Brasil. Assim, os estudos que combinam as duas questões são ainda mais raros. Ainda não se sabe qual o impacto econômico das diferentes políticas de transportes e habitação no meio ambiente. Sem saber esse impacto, não temos como melhorar as políticas municipais. Não se trata apenas de uma questão de renda. Há cidades que adotaram políticas públicas urbanas consistentes, aumentando substancialmente a sua sustentabilidade em relação a cidades muito parecidas em diversos aspectos. Conhecer melhor a inter-relação entre as políticas públicas de habitação e transportes, que são, por principio lógico, imbricadas, é uma tarefa a ser realizada no Brasil com consequências dramáticas sobre a sustentabilidade das cidades e, consequentemente, da sustentabilidade nos lugares onde vivem mais de 80% da população.

Leia entrevistas exclusivas e saiba mais sobre estudos e publicações do Escolhas em nosso boletim mensal

Assine o boletim do Escolhas

    Leia entrevistas exclusivas e saiba mais sobre estudos e publicações do Escolhas em nosso boletim mensal

    Assine o boletim do Escolhas