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Por Instituto Escolhas

21 novembro 2017

5 min de leitura

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Desmatamento, PIB e outras obviedades

Por Maura Campanili

Entra Conferência do Clima e sai Conferência do Clima, a sofrência sobre a participação brasileira é uma novela que muda sempre para continuar a mesma: ambientalistas dizem que o Brasil faz pouco para acabar com o desmatamento, que sua permanência pode comprometer o futuro do país e influenciar de forma irreversível as mudanças climáticas. O governo diz que está fazendo sua parte, mostra como as matas brasileiras são grandes e importantes para o mundo, que a agricultura local vai alimentar o mundo e coloca metas nunca antes apresentadas por nenhum país. O setor agropecuário diz que é superambientalista, que é o maior protetor do meio ambiente, mas que não quer pagar a conta da proteção e restauração florestal sozinho.

Nesse caldeirão de bruxas, onde todos têm alguma razão, mas o que prevalece é o velho e bom desmatamento (e, como esquecer, um país em crise econômica, onde as populações e cidades das regiões que mais desmatam estão também entre as mais pobre e esquecidas), o único frescor é a avalanche de estudos que começam a dar número aos bois, demonstrando economicamente que acabar com o desmatamento tem um custo sim, mas é totalmente viável.

Um relatório apresentado na semana passada semana em Bonn, Alemanha, durante a COP-23, por oito das principais organizações ambientais que atuam no Brasil (Ipam, ISA, Greenpeace, Imazon, Imaflora, WWF, ICV e TNC), que lista caminhos para se acabar com o desmatamento no país, estima que é muito pequena a contribuição do desmatamento para a riqueza nacional. Como mostra o estudo Qual o Impacto do Desmatamento Zero no Brasil?, recém-lançado pelo Instituto Escolhas, uma das causas disso é que o desmatamento acontece em áreas de baixa aptidão agrícola. Do que ainda está disponível legalmente para ser desmatado, 73% na Amazônia e 87% no Cerrado são de baixa aptidão agrícola.

Um estudo do início do segundo semestre do Observatório ABC, ligado à Fundação Getulio Vargas, mostrou que para o país recuperar os 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e expandir em 4 milhões de hectares o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) até 2020 (compromisso assumido voluntariamente pelo governo brasileiro) seriam necessários investimentos entre R$ 26,7 e R$ 31,3 bilhões nas pastagens e entre R$ 7,7 e R$ 7,8 bilhões em integração, valor muito menor do que o previsto inicialmente pelo próprio governo. No entanto, o mesmo estudo mostra que os investimentos estão bem aquém do necessário. Desde a safra 2010/11 – a primeira do Programa de Agricultura de Baixo Carbono, criado para viabilizar as metas – até a safra 2016/17, o Programa ABC (linha de crédito do programa) desembolsou um total de R$ 15,64 bilhões, para um total disponibilizado de R$ 23,45 bilhões no mesmo período. Como a disponibilização de recursos prevista inicialmente para o programa pelo governo era de R$ 157 bilhões até 2020 e a execução do que foi realmente ofertado foi de 66,7%, fica claro que não houve esforço de Estado correspondente às suas promessas internacionais.

Se os investimentos necessários estimados pelo Observatório ABC fossem realizados, porém, o mesmo estudo calcula que o custo econômico para a sociedade brasileira seria equivalente a retirar R$ 3,71 de consumo de cada habitante para se atingir as metas de recuperação de pastagens e iLPF. Esse custo valeria, contudo, apenas se o investimento fosse realizado totalmente em áreas prioritárias, com foco nas regiões com maior degradação ambiental (região do Matopipa, na maior parte). Mas se os recursos fossem de livre alocação, ou seja, investidos conforme oportunidade econômica e vantagens de produção e conhecimento de cada região pelos produtores (nesse caso, os recursos seriam majoritariamente investidos nas regiões Sul e Sudeste), haveria um ganho de R$ 41,19 de consumo adicional por habitante até 2020. Ou seja, seria possível, para qualquer planejador razoavelmente preparado fazer um mix das duas possibilidades com evidentes ganhos financeiros para o país como um todo.

Mas há mais. Se formos ficar apenas onde o desmatamento na Amazônia é maior, que é no Pará, onde o governo estadual tem um programa de governo, o Pará 2030, voltado para o desenvolvimento econômico sustentável, a The Nature Conservancy (TNC) acaba de divulgar um estudo (desenvolvido pelo Agroicone e pela Sitawi) mostrando que as metas do programa são totalmente compatíveis com o cumprimento do Código Florestal (redução do desmatamento e restauração florestal) no estado. O cumprimento dessas metas depende (oh coincidência!) da intensificação da pecuária, que deverá reduzir a área de pastagens e aumentar a produtividade e a rentabilidade por hectare.

Segundo o estudo, os valores gerados pelas cadeias produtivas da agenda agropecuária do Pará 2030 (além da pecuária, soja, milho, açaí, cacau, dendê, mandioca e floresta plantada) é rentável mesmo com desmatamento zero e suficientes para incluir os custos do Código Florestal (restauração obrigatória de 1,89 milhão de hectares). O volume total de recursos necessários para cumprir a agenda do programa ficaria entre R$ 159,15 bilhões e R$ 176,35 bilhões, dos quais apenas R$ 32,04 não têm, ainda, uma fonte identificada de recursos.

Enquanto isso, o estudo Qual o Impacto do Desmatamento Zero no Brasil?, do Escolhas, mostra que acabar imediatamente com todo o desmatamento (legal ou ilegal) no Brasil, incluindo terras públicas e privadas, teria um impacto mínimo na economia do País. Isso significaria uma redução de apenas 0,62% do PIB acumulado entre 2016 e 2030, o que corresponderia a uma diminuição do PIB de R$ 46,5 bilhões em 15 anos, ou R$ 3,1 bilhões por ano. Voltando aos investimentos públicos, esse valor anual é mais de três vezes menor do que os subsídios para o custeio do Plano Safra (que financia a agricultura brasileira) em 2017, que foram de R$ 10 bilhões. Além disso, o impacto de zerar o desmatamento (lembrando, em 15 anos!) no consumo das famílias seria de 0,58% e no salário de R$ 1,23%. Conforme o estudo, esses impactos poderiam ser neutralizados com um pequeno ganho de produtividade na pecuária (novamente, recuperação de pastagens, basicamente).

E aí, o ambientalista pergunta: porque só falar de economia, o meio ambiente não conta? E o agricultor pergunta: se tem custo, mesmo que pequeno, porque fazer?

Veja bem, nenhum desses estudos mediu – ainda – o custo de não acabar com o desmatamento nem seus benefícios ambientais. O que todos eles dizem, basicamente, é que o desmatamento não é lucrativo para o país e que acabar com ele não traz prejuízo. Mas há indicativos poderosos que mostram que uma pecuária sustentável (produtiva) é muito mais lucrativa, que a biodiversidade preservada é uma mina de dinheiro para o país, que sem as florestas na Amazônia não há chuva nem lá nem no Sul e Sudeste, que sem as matas do Cerrado não há Pantanal (nem a produção de pecuária que existe por lá).

Ou seja, não existe almoço grátis. Mas, no caso de acabar com o desmatamento, é como se o Brasil fosse comer em um restante Bom Prato e fosse servida uma refeição do Fasano.

 

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