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Por Instituto Escolhas

12 agosto 2016

4 min de leitura

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Arquivamento de usina Tapajós traz oportunidade para pensar a energia no Brasil

Na última semana, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) arquivou o processo de licenciamento ambiental da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que seria construída no Pará. De acordo com Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, o ato é um reconhecimento da inviabilidade ambiental do empreendimento, já que sem a licença ambiental é impossível realizar o leilão da usina. “Em primeiro lugar, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto de São Luiz do Tapajós falha em cumprir com seu principal objetivo, que é o de avaliar a viabilidade socioambiental da obra”, afirma Astrini.

Além disso, para Astrini, o projeto também desrespeita os direitos constitucionais dos indígenas e ribeirinhos que vivem no rio Tapajós. Ele aponta que, caso a obra fosse viabilizada, alagaria uma parte importante da terra indígena Sawré Muyby, do povo Munduruku. “As consequências seriam irreversíveis, afetando o modo de vida Munduruku, provocando o alagamento de 376 quilômetros de floresta. A obra ainda tem potencial de causar o desmatamento indireto de uma área de mais de 2 mil km² de florestas”, conta.

“Nós, Munduruku, estamos muito felizes com o cancelamento da usina. Isso é muito importante para o nosso povo. Agora vamos continuar lutando contra as outras usinas no nosso rio”, afirma Arnaldo Kabá Munduruku, cacique-geral do povo, ao Greenpeace. Ainda existem outros 42 projetos de hidrelétricas apenas na bacia do rio Tapajós e dezenas na Amazônia, e cabe, ainda, à Eletrobrás – responsável pelo empreendimento –, entrar com recurso para impedir o arquivamento.

Para Danicley de Aguiar, da campanha da Amazônia do Greenpeace, o arquivamento foi uma grande vitória das populações tradicionais e indígenas do Tapajós e a decisão de cancelar o processo de licenciamento da usina também reforça a necessidade do Brasil para reavaliar sua política de expansão da matriz de hidrelétricas na Amazônia, devido aos impactos que esse tipo de obra gera sobre o bioma.

Novas escolhas para a energia

Diante dos problemas sociais, ambientais e econômicos que a hidrelétrica de São Luiz do Tapajós traz, se faz necessário optar por outros caminhos para a energia no país. De acordo com Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Instituto Escolhas, a usina de Tapajós teria capacidade de 8 GW. Em comparação, a usina de Belo Monte tem 11 MW e as duas usinas do rio Madeira, juntas, têm 6,3 MW. “Junto com São Luiz, estavam previstas mais quatro usinas com capacidade total de 4,5 GW que, muito provavelmente, também serão arquivadas. Assim, nos próximos anos, o Brasil vai precisar achar como instalar mais 12,5 GW. Os potenciais impactos ambientais virão destas outras instalações”, conta Watanabe Jr.

Com os incentivos corretos para aumentar em 50% o nível de contratação média de usinas eólicas, solares e biomassa nos leilões, a energia de São Luiz do Tapajós poderia ser suprida por uma combinação dessas outras fontes no mesmo período de tempo e em patamar similar de investimento.

Watanabe aposta que, quando o momento político permitir, haverá novas apresentações de projetos e novos estudos de impacto socioambiental para as usinas. No entanto, caso sejam definitivamente enterradas, ele afirma que não teremos mais grandes usinas hidrelétricas na Amazônia. “A solução mais simples e apregoada pelo setor elétrico é construir mais térmicas a gás natural, o que vai aumentar as emissões de gases de efeito de estufa, na contramão do compromisso assumido em Paris”, afirma.

De acordo com Astrini, o mercado de energia também pode dar a direção dos investimentos no setor. Em 2015, por exemplo, a China alcançou dois novos recordes mundiais de energia limpa, por instalar 30,5 GW de energia eólica e por instalar 16,5 GW de energia solar. “Estamos, portanto, comparando uma opção ultrapassada, de custo alto, entrega incerta e sérios impactos negativos socioambientais, com opções de tecnologia nova, em pleno desenvolvimento de mercado, que podem gerar empregos e renda para todo o Brasil e não trazem consigo o rastro de destruição ambiental e desrespeito social”, afirma Astrini.

Quanto às oportunidades que podem ser geradas com o arquivamento da usina de Tapajós, em relação à geração de energia no Brasil, Watanabe afirma que é nesse ponto que mora o debate. “O Greenpeace e outras ONGs acham que temos vento e sol suficientes para cobrir o ‘rombo’ de 12,5 GW. Tecnicamente, sim, e até mais. Mas cabe agora estudar os entraves regulatórios e financeiros para que isso aconteça”, explica. Para ele, o maior problema é que o sistema elétrico nacional foi conceituado para operar grandes usinas – hidro, termo ou nuclear – e não estruturado para milhares de pequenos e médios aproveitamentos como os eólicos e solares. “Mais ainda, ele foi pensado para usar muita hidro e sua sazonalidade variando durante o ano – estação de chuvas e seca. As eólicas e solar, além dessa variação, têm as variações diárias o que complica a operação do sistema. Provavelmente haverá que redesenhar a operação do sistema nacional. Isso não é simples e vai precisar investimentos, mudanças regulatórias e até mesmo de concepção”, completa.

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